Raro e caro
Com um espaço cada vez mais generoso para a alta joalheria, a Bienal dos Antiquários completa cinquenta anos como o mais esnobe e ofuscante mercado de pulgas
Faz cinquenta anos que a cena se repete. Setembro sim, setembro não, os principais negociantes de antiguidades do mundo vendem, em Paris, o que há de mais excepcional em suas coleções. A eles se juntam joalherias indispensáveis aos cofres mais nobres, que revelam peças exclusivas para a ocasião. É quando o Grand Palais ganha brilho e público especiais para sediar a Biennale des Antiquaires — entre 1994 e 2004, o evento aconteceu no Carrousel du Louvre. O responsável pela organização da 26ª edição, deste ano, foi Christian Deydier, presidented o Sindicato Nacional dos Antiquários. Decepcionado com os números de 2010 (65 000 pessoas passaram pelos 87 estandes), o expert em arte chinesa antiga resolveu convidar o estilista Karl Lagerfeld para fazer a cenografia que abrigou, entre 14 e 23 de setembro, 122 participantes. “Saímos de uma edição entediante para outra, apaixonante”, diz Deydier, dono de uma galeria homônima. Lagerfeld ergueu sob o teto de vidro a Paris do século XIX. Pendurou no centro um balão de 10 metros de diâmetro, em memória à diversão parisiense de 300 anos. Construiu pequenas quadras de madeira, com lojas de fachada cinza claro enfeitadas com lamparinas a gás. Não só a decoração deu resultado, como a investida em um nome midiático atraiu holofotes e gente: 90 000 pessoas em nove dias. “Até o tapete imita as ruas da época”, diz Michel Witmer, consultor da TEFAF, a feira europeia de arte que acontece há 25 anos em Maastricht, na Holanda, e a maior concorrente da Biennale.
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Pelos corredores, o estilista dispôs móveis da Fendi Casa, uma das marcas para quem trabalha além da Chanel. “Na falta de Van Gogh e Monet, é preciso criar atrações”, resume Witmer. Mesmo sem dois dos mais cobiçados pintores, entre os cerca de 10 000 objetos expostos havia tesouros. O italiano Michele Casamonti, por exemplo, pôs de volta no mercado Vaso, Pipe, Paquet de Tabac, um Picasso de 1919 que passou cinquenta anos no acervo do Museu de Arte da Filadélfia. Na Galeria Kraemer, estabelecida em 1870, o destaque foram vinte móveis do ebanista Jean-Henri Riesener, da corte de Luís XVI. “É a primeira vez que estão em exposição”, diz o dono, Laurent Kraemer, sobrenome de uma das famílias de negociantes de antiguidade mais tradicionais da França. Além da procedência garantida, galeristas oferecem extensas explicações sobre as peças, em conversas que parecem uma aula de história da arte.
A Bienal dos Antiquários acolheu também artistas contemporâneos, o que causou mal-estar entre quem espera que a feira faça jus ao título. Deydier respondeu às críticas como um guerreiro de Xian. Disse que a Bienal atende “amantes de coisas belas, e não especuladores”. Aprovou a Paris estilizada. “As pessoas passeiam, sentam-se, tomam um drinque e, mais relaxadas, compram mais”, acredita Deydier. Nas lojas,os negócios são concluídos em salas privativas. Nem tudo se arremata no ato: há compras que se concretizam ao longo dos meses; outras, logo no jantar de abertura, para 1 200 convidados. Ali, um tríptico da galeria de Fabrizio Moretti, especializada em Renascimento e com escritório em Florença, Londres e NovaYork, foi adquirido por 900 000 euros.
Nenhuma rua cinco-estrelas chega aos pés dasruelas dessa cidade-fantasia. Só ali se desliza da respeitadíssima Richard Green, que expôs uma vista de Veneza pintada por Francesco Guardi (1,5 milhão de euros), para uma pedra de 800 000 anos a.C., a mais antiga à venda no evento, da Gilgamesh (a mais nova da galeria datava de 500 d.C.). Da arqueologia se descobrem os móveis art déco, em alta nesta edição, e livros raros: do original de 1555 de profecias de Nostradamus a manuscritos do poeta Charles Baudelaire. É verdade que, mesmo a Chamonal, decorada como uma livraria de contos de fadas, estava quase às moscas. O brilho do cenário e das vitrines das joalherias ofuscou até mesmo quem vendia a tiara de diamantes da princesa Ireneda Grécia, feita por René Boivin, joalheiro da belle époque — destaque da antiquária Véronique Bamps, de Mônaco. “É uma exibição de riqueza, um sinal da mudança de gosto do público”, diz o diretor da revista italiana Arte, Michele Bonuomo.
A Cartier tomou o maior espaço: 250 metros quadrados para exibir 148 joias únicas e inéditas, entre elas doze datadas dos anos 20. É um contraste com o clima “Merlin, o mago”, que a Van Cleef & Arpels encenou para apresentar versões cravejadas de pedras dos signos do zodíaco. Nas vitrines da Dior, anéis, brincos e pulseiras “se sentavam” sobre o mobiliário miniatura de salas suntuosas. A Chanel reproduziu o apartamento de Coco — russas, chinesas e turcas experimentavam a linha que comemora os oitenta anos da primeira coleção da grife francesa. As peças mais extravagantes eram as coloridas Bulgari e Wallace Chan, o primeiro asiático da feira (um broche custava 30 milhões de euros). Na Harry Winston, uma filade mulheres caminhava, em procissão, diante dos diamantes brancos que fizeram a fama da marca americana. Em frente a um colar de pedras e plumas, duas senhoras francesas se demoraram, em conversa distraída, com flûtes nas mãos. “O bracelete que vi ontem na Piaget foi vendido”, disse uma delas, sobre a joalheria suíça que estreou na Bienal em 2010. “Ah, querida, desolée. Vamos tentar encontrar algo para te animar”, respondeu a outra, caminhando em direção ao colar com safira de 146,71 quilates.