Conexão PE-SP: artistas pernambucanos descrevem sua relação com São Paulo
Otto, Siba, Ayrton Montarroyos, Lúcio Maia e Fábio Trummer falam à Vejinha sobre a cultura pujante do seu estado natal
OTTO
“Eu sou um embaixador”, define o cantor e compositor pernambucano. Nascido em Caruaru e criado em Belo Jardim, cidade do interior do estado, Otto, 56, viveu a adolescência em Recife, antes de se mudar para o Rio de Janeiro e, há cerca de quinze anos, para São Paulo.
Luiz Gonzaga, Alceu Valença e Lenine são algumas das referências conterrâneas do artista, que, antes de seguir em carreira solo, colaborou com Nação Zumbi e Mundo Livre S/A, bandas pioneiras do movimento manguebeat.
“Nós procurávamos uma forma de segurar a tradição. E, com essa originalidade, a gente ocupa um espaço de mercado”, diz. Todo ano, Otto costuma voltar a Recife, sempre levando o seu trabalho. “Gosto de levar a minha banda, minha arte. Sou um representante, gosto de voltar, virar o espelho para dentro e fincar a minha bandeira”, conta.
SIBA
Após uma pausa de dezoito anos, a banda Mestre Ambrósio voltou aos palcos em 2022 — e se apresenta na Casa Natura Musical, na sexta (26). “Sempre tinha uma conversa, mas nunca dava para os seis. E não fazia sentido forçar uma volta sem alguém”, conta o recifense Siba, 55.
Em 1996, o grupo se mudou para São Paulo, onde o músico vive hoje. “Minha família vem do Agreste. Eu nasci em Recife, cresci nos subúrbios de Olinda e tive toda uma história com a Zona da Mata, o maracatu, que me formou como artista”, conta.
Mesmo com a vida na capital paulista, a não ser por alguns anos em Nazaré da Mata, o berço do maracatu, Siba mantém suas raízes muito bem definidas. “Fazemos parte da linhagem de uma música que é local, mas quer conversar com o país e além. Essa herança vem do Quinteto Violado, de Alceu Valença, entre outros”, conta.
AYRTON MONTARROYOS
“Sou muito perguntador”, resume o cantor, que mora em São Paulo desde 2016, sobre sua curiosidade, que só poderia ser fruto de uma rica formação cultural.
“Em Recife, a cultura está mais na mão da gente, sem muito alarde. No Carnaval, tem o frevo. Fora isso, você ouve o coco. Quando é Natal, tem o pastoril. Em qualquer lugar, tem uma roda de choro. Sem falar na igreja e na macumba”, diz Ayrton, 29, que não perde um Carnaval em Olinda.
Semelhante ao seu caminho pessoal do litoral pernambucano à capital paulista, seu disco mais recente, A Lira do Povo (2024), narra um trajeto poético do sertão à cidade. “Esse trabalho foi de muita pesquisa para a elaboração de um microcosmos. Depois, vi que assim falei da minha desventura em São Paulo — amo morar aqui, mas, quando você sai da sua terra, você sempre será um apátrida”, diz.
LÚCIO MAIA
O guitarrista e fundador da Nação Zumbi frequenta São Paulo desde 1993 e vive aqui há dezoito anos. “São Paulo é onde você consegue construir o seu sonho. Houve uma imigração nos anos 2000, veio desde chef de cozinha até cineasta, e aos poucos alguns voltaram, porque, para sobreviver aqui, você precisa ter um núcleo de trabalho muito ativo”, diz Lúcio Maia, 53.
O músico recifense está em processo de reconexão com sua cidade natal. “É um lugar efervescente. Quando brincávamos na rua, víamos a cultura pernambucana, os caboclos de lança passando na rua, as manifestações populares.”
Para Maia, que prepara o lançamento de um novo disco, a distância física pouco importa. “Nunca achei que a Nação Zumbi precisava estar em Recife para ser o que ela é. Se estivéssemos morando em Berlim, íamos falar e tocar do mesmo jeito. É uma conexão materna”, conclui.
BANDA EDDIE, FÁBIO TRUMMER
Olindense, o vocalista da banda Eddie foi, por alguns anos, o único integrante a morar fora de Recife. Em 2003, mudou-se para São Paulo, onde viveu até 2018, antes de se fixar em Brasília.
“Estou sempre por lá, mas a saudade é constante. A cultura em Pernambuco é muito forte e presente, é uma vocação da região. As ruas, os campos, a beira da praia, tudo isso habita o meu imaginário para fazer canções”, diz Fábio Trummer, 53.
A vinda para a capital paulista foi um movimento coletivo de toda uma geração de artistas. “São Paulo tinha mais a ver com a filosofia independente, de não se tornar um astro, e sim um funcionário da cultura. Essa cena pernambucana não se identificava com o mercado, e aqui era o lugar possível de conquistar espaço sem se moldar à moda do momento”, comenta.
Publicado em VEJA São Paulo de 26 de julho de 2024, edição nº 2903