Quadros raros de Volpi vão a leilão pela primeira vez em São Paulo
Obras deixadas aos herdeiros do artista serão arrematadas com lances iniciais que vão de 300 mil a 6 milhões de reais
Seis quadros do ítalo-brasileiro Alfredo Volpi (1896-1988) serão exibidos e leiloados em São Paulo com lances iniciais que vão de 300 000 a 6 milhões de reais. São obras produzidas em diferentes períodos de sua carreira, entre elas Judite, raríssimo (e único) nu inspirado em sua esposa, e Dom Bosco, versão menor do mural de 15 metros quadrados feito nos anos 1960 para o Itamaraty, em Brasília.
“Com pelo menos trinta anos de produção, é uma exposição reunida a partir do espólio deixado pelo artista, peças que estiveram na casa dele e só agora serão leiloadas”, explica o curador Olívio Tavares de Araújo.
Conservada há mais de dez anos pelo Museu de Arte Moderna de São Paulo, a coleção só chegou a passar pelos olhos do público durante curtas retrospectivas e mostras individuais. “É como se as telas estivessem sendo compradas diretamente do próprio artista”, explica James Lisboa, leiloeiro responsável por manter as pinturas em seu escritório nos Jardins — de 23 a 30 de outubro, elas poderão ser vistas presencialmente (na Rua Melo Alves, 397, das 10h às 18h, com entrada gratuita) e serão arrematadas em 31 de outubro, com exibição ao vivo no canal Arte 1, às 21h.
A demora para a liberação do espólio, segundo James, ocorreu por divergências envolvendo a lista de herdeiros. “Sabia-se da existência (de mais um filho), mas a juíza só poderia liberar a venda quando ele fosse encontrado. Mais tarde, uma pesquisa revelou a certidão de óbito dele.” Além de parentes vinculados ao herdeiro falecido, as filhas Eugênia Maria Volpi Pinto e Djanira Maria da Conceição Volpi também participam da divisão do valor a ser arrecadado no leilão, que deve ultrapassar 10 milhões de reais caso todos os quadros sejam vendidos.
As seis obras remanescentes cobrem apenas algumas das fases do artista, entre 1940 e 1970, com destaque para os retratos, como o que apresenta a ilustradora Hilde Weber, sua amiga pessoal, e as formas geométricas (caso da tela com aparência de “leque” e os triângulos popularmente chamados de “bandeirinhas”). Todas levam a mesma técnica de têmpera sobre tela ou papel, com a mistura de pigmentos e gema de ovo.
“Ele tinha um lado muito artesão por ter sido operário e ter começado sua vida pintando paredes”, diz Olívio. Sem pretensão para a vanguarda, seus traços modernistas se desenvolveram após ingressar no Santa Helena, pequeno grupo composto por artistas como Aldo Bonadei, Clóvis Graciano, Ernesto de Fiori, Francisco Rebolo e Fulvio Pennacchi. Juntos, ocupavam um prédio na Praça da Sé e circulavam pela cidade para pintar aos fins de semana. “Pode ter sido nesse contexto que Volpi conheceu Judite, sua esposa.”
A raridade e mistério por trás do quadro dedicado à parceira colaboram para seu valor elevado — não é consenso, por exemplo, que ela teria posado para o artista. “Sua autonomia sobre as pinturas fez com que nos anos 1940 ele já estivesse pintando muito em seu ateliê, só a partir da imaginação”, pondera o curador. “Volpi era tão exigente consigo mesmo que sempre fez questão de pintar a mão livre, como se usar régua depusesse contra sua integridade operária, e cuidava de todas as etapas além da pintura.”
No bairro do Cambuci, onde sempre morou, Volpi mantinha uma rotina regrada de trabalho e só produzia durante as horas de luz natural. “Ele não era uma pessoa fechada, estava sempre de bom humor, mas se concentrava muito no ofício. E era costume levantar cedo”, relembra Djanira, uma das suas filhas adotivas (entre filhos biológicos e adotivos, ele criou mais de quinze crianças junto com a esposa).
Certas inspirações, no entanto, não vieram da capital, mas de cidades do interior de São Paulo, como Mogi das Cruzes, onde teve contato com a figura das bandeiras, e no litoral de Itanhaém, onde a companheira passou a morar quando adoeceu. Esse é o contexto para a tela Casas, Mastros, Barcos e Mar, de 1944, anunciada com lance inicial de 600 000 reais. “Quando ela se mudou, Volpi descia (a serra) para visitá-la e começou a pintar fragmentos da cidade com o mar, o céu e as ondas.”
Em 1953, sua reputação foi selada na II Bienal de São Paulo com o prêmio de melhor pintor nacional, dividido com Di Cavalcanti (confira o quadro abaixo). Apesar de um suposto acerto entre os membros do júri para premiar Di Cavalcanti, o crítico britânico Herbert Read teria questionado a decisão pela originalidade nas formas e cores da arquitetura brasileira retratada por Volpi.
“Por não ter ganhado na primeira Bienal, o sistema político das artes já tinha reservado esse prêmio ao Di”, conta Olívio. “E o sucesso nunca subiu à cabeça dele. Era sofisticado enquanto pintor, mas uma pessoa muito simples. A única coisa que fazia depois de ganhar dinheiro era tomar vinho italiano, seu único luxo.”
“Uma das coisas que ele tinha de especial era o talento como colorista. Espero que os compradores sejam colecionadores de Volpi para dar a cada obra seu devido valor”, completa James. “Ele cedia as telas, mas nunca as vendia, então os ‘volpistas’, todos eles muito doidos, competem entre si e querem ter o que o outro não tem. Vou usar isso como argumento para vender.”
Di Cavalcanti — 125 anos
O também modernista Di Cavalcanti é destaque em exposição no Farol Santander, que faz um panorama de sua carreira. Com 25 óleos sobre tela, duas aquarelas, um grafite sobre papel, um guache e dezesseis gravuras, a mostra reúne obras como Mulata na Cadeira (1970), um dos muitos retratos de mulheres feitos pelo artista. Rua João Brícola, 24, Centro. ♿ Ter. a dom., 9h/20h. R$ 35,00. Até 7/1/2024. farolsantander.com.br
Publicado em VEJA São Paulo de 20 de outubro de 2023, edição nº 2864