Os três motivos psicológicos que levam ao uso de anabolizantes
O uso de esteroides sintéticos para o ganho rápido de massa muscular cresceu muito desde sua popularização na década de 70
Baixa autoestima, dificuldades de aceitação no grupo e distorções na autoimagem corporal. Esses três fatores são as características mais comuns entre os usuários de anabolizantes.
O uso de esteroides sintéticos para o ganho rápido de massa muscular cresceu muito desde sua popularização na década de 70. Os riscos para a saúde são enormes: disfunções cardíacas, hepáticas, renais, endocrinológicas e do sistema nervoso, infertilidade, atrofia testicular, acidentes vasculares, ginecomastia… Além de problemas menos graves mas igualmente relevantes como dores de cabeça, diarreia, acnes e lesões nos locais de aplicação. Apesar de todos esses riscos, os jovens estão usando cada vez mais este atalho para alcançar o que consideram um corpo ideal.
Os escassos estudos epidemiológicos para a população brasileira mostram uma prevalência de 1,4% no uso de anabolizantes entre os estudantes. Se considerados apenas os frequentadores de academia, o consumo pode atingir mais de 10% das pessoas.
Os esteroides anabólico-androgênicos (EAA ou simplesmente anabolizantes) são hormônios sintéticos que imitam a ação de seus homólogos naturais. Eles têm aplicação médica para vários problemas de saúde como câncer de mama, carências hormonais específicas, atrasos no desenvolvimento ósseo-muscular, dentre outros. Essa ampla aplicação médica mostra o quanto os anabolizantes são potentes em sua ação sobre o organismo. Os riscos do uso indiscriminado, portanto, são óbvios. Imagine que você passe a tomar remédios para a gripe sem estar gripado ou antibióticos sem possuir uma infecção.
Embora a maioria das pessoas não vá saber dizer quais exatamente seriam as consequências desse uso indiscriminado, elas sabem que é uma péssima ideia e que algum prejuízo será produzido sobre o corpo. No caso dos esteroides anabolizantes as consequências são ainda mais dramáticas uma vez que interferem diretamente nos sistemas endocrinológicos, que regulam absolutamente todas as funções vitais do organismo. Então, se você não toma antibióticos sem estar infectado por alguma bactéria, por que usar anabolizantes sem possuir uma doença para a qual eles são úteis?
Emoção: consequência e causa ao mesmo tempo
Quem usa anabolizantes para acelerar o crescimento muscular apresenta necessariamente qualquer combinação daqueles três fatores mencionados no início: baixa autoestima, dificuldades de aceitação social e distorções na imagem do próprio corpo. Ou seja, o que provoca o uso de anabolizantes é necessariamente um problema de ordem psicológica/emocional. No anseio de eliminar a angústia que sente, a pessoa vê no ideal de corpo ditado socialmente a chance de ser aceito.
Esta busca, mesmo sem doping, já é um equívoco, porque o que define uma pessoa é a totalidade de seus elementos constituintes e não apenas a beleza de seu corpo. Ou seja, mesmo entre aqueles que se dedicam à construção de um corpo ideal por meio apenas de treino e alimentação balanceada, se o fazem de maneira exagerada e obsessiva, atribuindo ao corpo ideal o peso de dar sentido às suas vidas, significa que necessariamente enfrentam dificuldades naqueles fatores emocionais. E certamente vão se frustrar em algum momento em que aquela fórmula não funcionar. E isso seguramente acontece.
Na melhor das hipóteses vai acontecer quando a velhice se mostrar com força e a pessoa descobrir suas limitações naturais mas, principalmente, quando ela se der conta de que, para garantir aquele corpo ideal ao longo dos anos, deixou de fazer muitas coisas que gostaria de ter feito.
Mas na maioria dos casos a frustração aparece bem antes, quando a pessoa precisa deixar de lado a manutenção do corpo ideal. Já atendi várias pessoas que se deprimiram por não darem conta de manter o corpo ideal de forma impecável, ainda que a interrupção dos treinos de alto rendimento ou da dieta balanceada fosse apenas momentânea. Para mencionar alguns exemplos: gravidez, viagens, desemprego e doenças são razões bem comuns para interromperem o ritmo pesado de treinos. E, #pordeus, é óbvio que elas vão acontecer algumas vezes na vida de qualquer pessoa.
Lembro-me de um professor de academia que me procurou após uma crise aguda de melancolia e frustração por ter perdido parte do corpo ideal durante as festas de fim de ano. Esta lógica é muito triste mas infelizmente cada vez mais comum. E muitas pessoas deixam de curtir as festas de fim de ano de maneira leve com seus familiares (e tudo mais que dê sentido à vida) em nome do que enxergam equivocadamente como saúde.
Estou contando todo esse cenário justamente porque é nesse contexto que muitas pessoas, no anseio obstinado e obsessivo de dar conta da manutenção desse corpo ideal, acabam enxergando no uso dos anabolizantes um atalho para facilitar o desafio que se impôs. Tanto é um atalho que são raríssimos os casos de quem admite usar anabolizantes. Quem usa fica de bico fechado e faz de conta que só treina pesado. Então vejam o tamanho do problema. A pessoa passa a usar substâncias prejudiciais para sua saúde para alcançar um ideal de corpo que tampouco representa saúde mesmo quando alcançado sem doping.
Não bastassem os efeitos danosos dos anabolizantes sobre o corpo, eles interferem também no psiquismo. Embora os efeitos emocionais ainda não tenham sido sistematizados na literatura científica, vários estudos já o demonstraram:
- Aumento da agressividade
- Alterações de humor
- Isolamento social
- Hiperforia (sensação exagerada de que tudo está muito bem)
- Depressão
- Psicose/mania (sensação distorcida de onipotência)
Quer dizer que o que leva alguém a usar anabolizantes é necessariamente um psiquismo desorganizado e, uma vez que o uso esteja em curso, os anabolizantes passam a ser causa de outros problemas emocionais, aprofundando ainda mais essa desorganização psíquica.
Eu próprio fui procurado pela família de um jovem que tentou suicídio após um período de rápidas mudanças emocionais que coincidia com o uso de anabolizantes.
“Mas tem um médico me acompanhando”
Infelizmente, é verdade que existem médicos especializados em prescrever “bomba” (a forma popular como o uso de anabolizantes é descrita). Absolutamente todos eles sofrem constantes processos administrativos no Conselho Federal de Medicina e processos criminais na Justiça.
Este é um problema grave, uma vez que quem procura este tipo de suporte está fragilizado (ainda que não admita), sendo portanto facilmente convencido pelo discurso dos resultados rápidos e com a mensagem de falsa segurança para a saúde, já que tem um médico cuidando de tudo. Não caia na conversa desses médicos. Eles são ou charlatões que usam o diploma para ganhar dinheiro de forma desonesta ou, no melhor dos casos, sofrem das mesmas patologias dos pacientes que os procuram.
Crescer os músculos como símbolo de crescer subjetivamente
O que parece que os músculos grandes trazem é uma aceitação maior do indivíduo ao olhar dos outros. O elogio, o aumento nas chances de conseguir um relacionamento e a maior confiança na força física (“quem vai mexer com o grandão?”) são dados pelo crescimento dos músculos. E esse crescimento muscular parece dar para a pessoa a sensação de um crescimento também da subjetividade, do eu. O problema é que a sensação é verdadeira mas a força da subjetividade é falsa.
O caminho para melhorar de maneira efetiva a autoestima, a inserção social e a satisfação com os próprio corpo é o autoconhecimento e a consequente condução de uma vida plena e saudável. Não há atalhos possíveis.
Os dados científicos mencionados podem ser encontrados nos textos referenciados abaixo.
Referências
- O Significado dos Anabolizantes para os Adolescentes (Monique Santos Carregosa) – Trends in Psychology / Temas em Psicologia – 2016, Vol. 24, nº 2, 519-532.
- Vigorexia, Uso de Anabolizantes e a (não) Procura por Tratamento Psicológico: Relato de Experiência (Niraldo de Oliveira Santos, Vanessa Gimenes Marques, Amanda Maihara dos Santos, Gláucia Rosana Guerra Benute, Mara Cristina Souza de Lucia) – Psicologia Hospitalar, 2012, 10 (1), 2-15.