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Em Terapia

Por Arnaldo Cheixas Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Terapeuta analítico-comportamental e mestre em Neurociências e Comportamento pela USP, Cheixas propõe usar a psicologia na abordagem de temas relevantes sobre a vida na metrópole.
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O que é preciso para estar bem com alguém?

Diz o senso comum que, para estar bem com alguém, primeiro é preciso aprender a estar bem sozinho. Olhar para a realidade que nos cerca reforça essa ideia. Embora não seja uma regra absoluta, vemos a relação de um casal novo dar certo justamente quando ambos estavam bem no início do relacionamento. Quando alguém não […]

Por VEJASP
Atualizado em 26 fev 2017, 23h25 - Publicado em 29 nov 2013, 13h57
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Diz o senso comum que, para estar bem com alguém, primeiro é preciso aprender a estar bem sozinho. Olhar para a realidade que nos cerca reforça essa ideia. Embora não seja uma regra absoluta, vemos a relação de um casal novo dar certo justamente quando ambos estavam bem no início do relacionamento. Quando alguém não está bem consigo mesmo, envolver-se amorosamente com outra pessoa normalmente só gera um prolongamento das angústias experimentadas quando se estava só. Mas como é que se consegue estar bem sozinho?

É raro testemunharmos um relacionamento bem sucedido que tenha começado num momento em que ao menos um dos dois esteja mal. A esse propósito, tampouco é comum que um esteja vivenciando uma neurose e o outro não. Ainda que pareça que um está bem e se relacionando com outra pessoa que enfrenta problemas emocionais, isso não faz muito sentido. Ressalto que estamos falando do início do relacionamento. Isso porque, num relacionamento duradouro, é claro que em algum momento alguém enfrentará alguma sorte de angústia. Nesse caso, o(a) parceiro(a) deve ter um papel importante na vida do outro. Obviamente, não se joga fora um relacionamento ao primeiro sinal de desajuste do(a) parceiro(a). Mas voltemos ao caso do início do relacionamento. Imagine seu amigo Teobaldo lhe dizendo:

Comecei a namorar com a Maria, aquela menina que conheci na viagem do mês passado. Mas ela não está bem. Tem crises de ciúme, briga comigo por coisas sem importância. Ela trata mal as pessoas estranhas. Está sempre estressada. Ontem mesmo ofendeu um funcionário na padaria. A gente tem valores muito diferentes. Ela mente sem razão para os pais, que moram no interior. Mas a gente se gosta bastante. Ainda assim, tem horas que fico muito irritado. Não sei o que faço para ajuda-la.

Num primeiro momento, a tendência é que se dê razão ao Teobaldo. Afinal, é desgastante mesmo ter de lidar com situações assim. Acontece que ele acaba lhe apresentando as mesmas queixas todas as vezes em que vocês se encontram. E agora a situação é desgastante para você também. Nesse contexto, uma pergunta que dificilmente nos fazemos é o porquê de nosso amigo começar a namorar Maria. Com todas as ressalvas devidas ao fato de estarmos fazendo uma análise reduzida em torno de um caso hipotético, a resposta é que provavelmente Teobaldo tem suas próprias neuroses. Mais que isso, suas neuroses encontraram na Maria o complemento perfeito. Preocupar-se com os problemas dela pode ser um modo de Teobaldo esquivar-se de suas próprias questões. A esse encontro costumo chamar de neurose simbiótica. Isso quer dizer que Teobaldo não está por acaso com Maria. Esse tipo de simbiose pode durar uma vida (o que é muito triste e acontece, infelizmente) ou, diferentemente, pode durar até que ao menos um dos dois resolva lidar com suas próprias questões. Se apenas um, é provável que se trate do fim do relacionamento. Se ambos, pode ser que o relacionamento evolua.

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Muito bem. Toda a argumentação do texto corrobora aquela noção do senso comum que apresentei no início: para estar bem com alguém, primeiro é preciso aprender a estar bem sozinho. Mas como, afinal, é possível aprender a estar bem sozinho? Embora essa seja a questão mais complexa do nosso conjunto, ela é também aquela com resposta mais simples. Para estar bem sozinho, basicamente é preciso aprender primeiro a estar mal sozinho. Simples assim.

Alguém pode me refutar e dizer que, quando se está mal, a dor sentida na solidão é dura demais, que as atividades cotidianas podem ser prejudicadas, que uma depressão pode se instalar e assim por diante. Tudo isso é verdade. Mas a resposta continua sendo simples. Fique mal sozinho. Dê um tempo a si próprio. Não empurre sua neurose para cima de outra pessoa. Se fizer isso, você alimentará a neurose do outro (como foi o caso do Teobaldo) e atrasará a resolução da sua própria. Ninguém pode sentir sua angústia no seu lugar. Ela é só sua. E ela precisa do tempo certo para ir embora. Nesse tempo (indefinido), você aprenderá a lidar melhor com as situações associadas com a sua angústia. Não existe mágica. Nossa pressa em resolver nossas angústias é, em partes, fruto do que costumo chamar de ditadura da felicidade. Nossa cultura ocidental acaba despejando sobre nós uma expectativa enorme de bem estar e felicidade. Sob essa ótica, se você não está pulando de felicidade o tempo todo, é porque você está fazendo algo errado. Na verdade, a condição humana não é assim. Dor e angústia fazem parte da nossa realidade. Costumo dizer aos pacientes que estão passando por momentos de muita angústia que essa é a hora de curtir a dor, sem apressar nada. Aí o cuidado e a atenção de quem já é próximo vale bastante. Mas enxergar num novo relacionamento o remédio mágico para a dor é um tiro que sairá certamente pela culatra.

Fique com alguém. Mas, antes, fique bem sozinho. E, ainda antes, fique mal sozinho.

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