Depressão pós-parto: quais são as causas do problema
O mal também deve ser diferenciado da tristeza materna
A depressão pós-parto acomete de 10% a 20% da população de mulheres que amamentam. Considerando a sociedade brasileira, atualmente em 200 milhões de pessoas, sendo pouco mais da metade composta por mulheres, das quais aproximadamente 1,5% engravida dentro do período de doze meses, significa que a cada ano temos entre 150 000 e 300 000 mulheres sofrendo de depressão pós-parto no país.
Trata-se de um quadro patológico cuja configuração essencial é a mesma do transtorno depressivo clássico. O que difere a depressão pós-parto da depressão clássica é simplesmente o fato de estar associada ao período puerperal. Esta classificação em separado existe porque é notória a instalação do quadro depressivo logo após o parto (o início se dá normalmente entre o primeiro e o segundo mês após o parto) de parte dessas mulheres (de um a dois décimos).
Embora nem sempre seja fácil, a depressão pós-parto deve ser diferenciada da famosa tristeza materna (maternity blues), que ocorre normalmente logo no segundo dia depois do nascimento do bebê. Essa tristeza puerperal se deve quase que exclusivamente a fatores hormonais, uma vez que a concentração de progesterona sobe acentuadamente antes do parto e cai de forma muito aguda logo depois. Também há uma queda abrupta na concentração de cortisol logo após o parto. Essas mudanças hormonais acontecem para que o corpo da mulher possa ter sua dinâmica fisiológica de volta ao normal (o processo endocrinológico muda profundamente na mulher durante uma gestação).
A tristeza materna costuma regredir espontaneamente depois de poucas semanas. A persistência do quadro por mais de quatro semanas deve ser sinal de alerta para a possibilidade de um quadro depressivo que, se estava ausente antes do período perinatal, pode significar uma depressão pós-parto.
Embora mais rara, outra diferenciação importante a se fazer diz respeito ao caso de mulheres com histórico prévio de transtorno bipolar. Parte dessas mulheres pode apresentar um episódio depressivo recorrente componente do transtorno bipolar coincidindo com o período pós-parto. Neste caso será importante a atenção do médico (inicialmente o próprio obstetra ou o ginecologista, que podem eventualmente solicitar a avaliação de um psiquiatra) para estabelecer o diagnóstico diferencial.
Causas
Existem três grupos de fatores que, em conjunto, determinam a instalação da depressão pós-parto: fatores biológicos, fatores individuais e fatores ambientais do contexto da gestação.
Os fatores biológicos dizem respeito a eventuais disfunções na dinâmica de neurotransmissores no sistema nervoso central (principalmente serotonina, noradrenalina e dopamina) e às fortes alterações na concentração dos hormônios progesterona (que atua na preparação do útero para suportar a gestação, além de influenciar na produção do leite) e cortisol (atuante na regulação da resposta ao estresse). Embora alterações fisiológicas sejam óbvias na depressão, ainda não há elementos suficientes para elegê-las como causas da depressão pós-parto. Especificamente no caso das alterações hormonais, não se pode dizer que são a causa uma vez que a maioria das parturientes não apresentará depressão pós-parto, ainda que todas elas sofram as mesmas alterações hormonais. O ponto é que essas mudanças estabelecem um delicado plano de fundo que torna as mulheres puérperas mais suscetíveis à depressão, caso haja outros fatores que a possam determinar.
Os fatores individuais dizem respeito ao quadro psicológico da mulher prévio à gestação: histórico prévio de depressão, transtornos de personalidade, traumas marcantes, perdas significativas… São fatores que aumentam as chances de desenvolvimento da depressão pós-parto.
Os fatores ambientais do contexto da gestação parecem ser os principais determinantes da depressão pós-parto. Diversas pesquisas de vários países, inclusive do Brasil, demonstram forte correlação entre a depressão pós-parto e elementos de dificuldade relacionados direta ou indiretamente à gestação. Destacam-se: gravidez indesejada, gravidez na adolescência, dificuldades de relacionamento com o parceiro, julgamento da família e consequente falta de apoio, interrupção da carreira ou dos estudos. Baixa renda e baixa escolaridade influenciam indiretamente na determinação da depressão pós-parto. O elemento dramático é que a mulher nesta situação precisa dar conta de todas essas angústias em um momento no qual seu corpo está completamente transformado e suas emoções estão instáveis por conta das mudanças hormonais.
A depressão pós-parto é um drama exclusivamente feminino e que precisa de suporte e atenção vindos de todas as frentes: do ginecologista e do obstetra durante o acompanhamento pré-natal e no puerpério (peça para seu médico aplicar a Escala de Depressão Pós-parto de Edimburgo), do parceiro (cara, não seja mais uma fonte de ansiedade para sua companheira; ela precisa de você nessa etapa e não o contrário – não concorra com seu filho) e da família.
Deixar de cuidar da depressão pós-parto produz consequências crônicas para a mulher e pode prejudicar o desenvolvimento do bebê, seja por carência nutricional pelo impacto na lactação, seja pela inadequação do suporte emocional essencial nos primeiros anos do desenvolvimento.
Referências
Aspectos epidemiológicos da depressão pós-parto em amostra brasileira. Rev Psiquiatr RS. 2007;29(3):274-280.
Rastreamento da depressão pós-parto em mulheres atendidas pelo Programa de Saúde da Família. Rev Bras Ginecol Obstet. 2005; 27(4): 181-8.