Aula de Psicologia com Chaves: o caso dos ganhos secundários
Quando alguém passa por uma situação difícil (doença, violência ou alguma perda) é natural que se fragilize por um tempo. Nesse intervalo, as atividades cotidianas ficam um pouco de lado. Mais tempo na cama, um pouco de manha e os cuidados e a atenção de quem está por perto são uma configuração temporária, compreensível e […]
Quando alguém passa por uma situação difícil (doença, violência ou alguma perda) é natural que se fragilize por um tempo. Nesse intervalo, as atividades cotidianas ficam um pouco de lado. Mais tempo na cama, um pouco de manha e os cuidados e a atenção de quem está por perto são uma configuração temporária, compreensível e até necessária para o enfrentamento e a recuperação frente ao revés. É assim mesmo que tem de ser.
Quando a pessoa não tem uma carência prévia por atenção e afeto, esse curso de eventos transcorre normalmente mas, se existem carências significativas presentes, pode ocorrer a aprendizagem de um padrão comportamental ruim, que serve para manter o que os analistas do comportamento chamam de ganhos secundários.
O que são os ganhos secundários? Num episódio do clássico seriado mexicano Chaves (Chavo del ocho no original) há um surto de catapora na Vila. Chaves fica se lamentando ao Sr. Madruga por ser o único não contaminado pelo vírus da doença. Como ocorreria a qualquer interlocutor que ouvisse tal lamento, Sr. Madruga se surpreende com desejo tão paradoxal. Mas Chaves explica melhor sua lamentação e seu desejo por “pegar” catapora: “É que uma vez me levaram para o hospital porque eu estava doente e em um só dia me deram de comer três vezes”. Eu não conseguiria explicar de maneira mais clara o que são os ganhos secundários. Estar doente é pior do que estar saudável mas pode trazer ganhos que são secundários à doença; no caso do Chaves, três refeições num único dia.
Além de alimento, podemos ter carência por afeto, atenção, cuidados etc. E, como o Chaves, também aprendemos a manipular as situações para obter ganhos secundários. Lembro-me de um caso atendido por um grupo do qual eu fiz parte. Um garoto de 5 anos produzia lesões em seu próprio corpo sem uma causa aparente: cortava a própria pele, arranhava-se com a tampa de uma caneta, além de outras formas de lesão. Aos poucos, descobrimos que ele aprendeu que, ao se machucar, passava a ganhar atenção dos pais, normalmente muito ausentes por conta de suas carreiras. O trabalho de intervenção foi principalmente com os pais, que aprenderam a oferecer atenção ao filho em momentos adequados (brincadeiras, estimulação cognitiva) e diminuíram (de forma planejada na terapia) a atenção aos seus comportamentos autolesivos.
A questão dos ganhos secundários nos ajuda a refletir sobre como nos comportamos em qualquer dos dois papeis, o de quem demanda atenção e o de quem fornece atenção. Em situações difíceis, devemos ter cuidado para não permitir que um contexto de ganhos secundários se cristalize e atrapalhe nossas vidas. Se o revés foi conosco, temos de ter cautela para não barganharmos atenção excessiva dos outros. Se o revés foi com alguém próximo, temos de ter cautela para não reforçar possíveis tentativas de barganha. Lembro-me do que dizia minha professora de Filosofia (Salete da Silva Alberti) durante suas aulas na Unesp: “Você pode ajudar alguém a caminhar até o toalete. Só que você não pode fazer xixi por ele/ela”.
Para a catapora já há vacina. Para ganhos secundários ainda não. Cuidado e boa sorte!