“Ó céus! Ó vida! Ó azar!”
Isso não vai dar certo. Eu disse que não ia funcionar. De graça? Não deve ser bom. Como eu sofro. O pior sempre sobra pra mim… Todo mundo conhece alguém pessimista. O pessimismo soa engraçado às vezes. Outras vezes é sacal. O pessimista é visto como um chato. Há pessimistas que sofrem e há pessimistas […]
Isso não vai dar certo. Eu disse que não ia funcionar. De graça? Não deve ser bom. Como eu sofro. O pior sempre sobra pra mim…
Todo mundo conhece alguém pessimista. O pessimismo soa engraçado às vezes. Outras vezes é sacal. O pessimista é visto como um chato. Há pessimistas que sofrem e há pessimistas que se orgulham de sua condição. Há também quem se intitule pessimista sem sê-lo de fato. É que algum pessimismo pode fazer com que se consiga a atenção dos outros numa rodinha.
Mas o fato é que há dois tipos de pessimistas. Embora diametralmente opostos, podem expressar distintamente o mesmo processo.
Um deles é o pessimista convicto… aquele seguro de seus pessimismos. Este sujeito tende a ser arguto, dificilmente toma decisões ingênuas e às vezes pode ser até um pouco paranóico. É a respeito desse grupo que José Saramago dizia: “O mundo precisa de mais gente pessimista”. Talvez quem Saramago chamava de pessimista era, na verdade, realista. É difícil sacar onde está a linha que divide um grupo de outro mas quem a descobre pode explorar de forma muito proveitosa seu perfil “pessimista” (realista) para tornar sua vida a melhor possível dentro das condições concretas bem como ajudar a sociedade a melhorar naquilo que é possível e, assim, ajudar a tornar o mundo um lugar minimamente menos hostil do que se nos apresenta. Quando esse pessimismo convicto é excessivo, provavelmente resulta de uma insegurança do indivíduo em lidar com frustrações. Assim, antecipa-se o insucesso como forma de proteção. Em outras palavras, o pessimista convicto, por insegurança, mostra-se seguro do quão mal as coisas caminham.
O outro tipo é o pessimista propriamente dito. Aquele que sempre tem expectativas negativas em relação ao futuro. O pessimista propriamente dito, ao contrário do pessimista convicto, não tem segurança nenhuma em si mesmo e nem na possibilidade de o ambiente lhe ser generoso. O desenho Lippy & Hardy, produzido na década de 1960 pelo estúdio Hanna-Barbera, mostra em uma de suas personagens o pessimista puro. Hardy era a própria depressão em pessoa, digo, a própria depressão em hiena. Hardy achava que tudo o que era proposto pelo amigo Lippy, o expansivo e simpático leão, não funcionaria. Lippy era otimista enquanto Hardy era pessimista ao extremo. Bastava um mínimo problema para a dupla enfrentar e Hardy soltava: “Ó dia! Ó azar!”.
O pessimismo é componente importante de um processo patológico cíclico bastante perigoso. Quando alguém deixa baixar o Hardy em si é porque teve de lidar com situações difíceis no passado nas quais sofreu frustações significativas. Assim, o pessimismo se instala como um modo de enfrentar eventuais situações frustrantes no futuro. Essencialmente é um jeito de se proteger de frustrações potenciais. Antecipa-se a frustração para não ser surpreendido por ela. Esse processo faz com que a pessoa seja cada vez menos ativa na interação com o ambiente. A iniciativa se esvanece e a tristeza toma conta do humor como uma parceira inseparável do pessimismo. A depressão é o próximo passo. E a depressão, outro elemento desse perigoso processo cíclico, passa a fortalecer o pessimismo. É possível passar a vida curtindo o próprio pessimismo e se lamentando das agruras da vida.
Se você é um Lippy não abandone os Hardies à sua volta. Mas, se você é um Hardy, não deixe que o medo lhe impeça de enfrentar as dificuldades e conte com os Lippies (ajuda profissional mas… às vezes também um amigo ou parente) perto de você. Comece buscando ver o que de bom existe no seu cotidiano. Celebre. Arrisque e aceite a possibilidade da imperfeição, pois o insucesso é parte da vida. Troque seu “Ó dia, ó azar!” por “Ó dia, ó sorte!”.