Renata Sorrah comprova trilha de coerência em “Esta Criança”
Em 45 anos de carreira, a atriz Renata Sorrah construiu um repertório irretocável nos palcos e transitou bem entre os clássicos e o contemporâneo. Em um primeiro momento, a parceria com os curitibanos da Cia. Brasileira de Teatro para encenar o drama “Esta Criança”, escrito em 2003 pelo francês Joël Pommerat, parece inusitada. Afinal, o […]

Em 45 anos de carreira, a atriz Renata Sorrah construiu um repertório irretocável nos palcos e transitou bem entre os clássicos e o contemporâneo. Em um primeiro momento, a parceria com os curitibanos da Cia. Brasileira de Teatro para encenar o drama “Esta Criança”, escrito em 2003 pelo francês Joël Pommerat, parece inusitada. Afinal, o que faz a estrela da TV em meio a um grupo desconhecido do público e mais voltado ao experimentalismo que para o retorno de bilheteria. Em cartaz no Sesc Vila Mariana, o resultado, no entanto, é completamente coerente com a trajetória da artista e justifica a renovação constante e seu frescor cênico. Torna-se mais sintomático ainda esse trabalho vir na sequencia da pálida participação na igualmente opaca encenação concebida pelo consagrado Aderbal Freire-Filho para a tragédia “Macbeth”, em 2010.
Estruturado em dez cenas, o espetáculo dirigido por Marcio Abreu aborda diferentes enfoques da relação entre pais e filhos. Renata, Edson Rocha, Giovana Soar e Ranieri Gonzalez dividem-se em 22 personagens de importância semelhantes para viver situações independentes relativas ao nascimento, morte, solidão, adoção e violência. O espectador tenta a cada momento estabelecer uma linha que poderia ser complementada na cena seguinte, e a direção alimenta essa ilusão de familiaridade entre as situações, mesmo que a conexão nunca se concretize de fato. O cenário neutro e minimalista criado por Fernando Marés ganha tênues variações diante da iluminação assinada por Nadja Naira, e os figurinos pouco variam para sublinhar as novas tramas.
A montagem começa com um monólogo de Renata na pele de uma jovem grávida disposta a provar para sua mãe que tem condições de criar o bebê. Ganha mais intensidade no quadro sobre a mulher sem pudores em chantagear o filho (vivido por Gonzalez) na tentativa de fazê-lo desistir de ir para a escola e ficar em sua companhia. O auge, no entanto, se dá na cena ambientada em um necrotério. Renata e Giovana interpretam duas mães que precisam reconhecer um corpo que pode ser do filho de uma delas. Ali, a grande atriz vem à tona e passeia em poucos minutos pela insegurança, dor, histeria e felicidade em uma intensa prova de versatilidade. A encenação é concebida para nivelar os quatro intérpretes o tempo inteiro. Em momentos como esse, no entanto, fica explícito, mesmo que de forma sutil, que o bom nível de Giovana, Gonzalez e Rocha torna-se insuficiente diante das nuances alcançadas pela experiente Renata.
Leia entrevista com a atriz Renata Sorrah para o blog.