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“A Partilha” e o descompasso com o tempo

Em 1990, o Brasil era bem diferente. Fernando Collor de Mello tinha acabado de assumir a presidência da República através do voto direto, a inflação galopante transformava os preços em uma surpresa diária ao consumidor e “A Partilha” chegava aos palcos. Conhecido pelas novelas e por espetáculos vinculados ao besteirol, o ator Miguel Falabella fazia […]

Por Dirceu Alves Jr.
Atualizado em 27 fev 2017, 11h56 - Publicado em 27 out 2012, 00h32
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Susana Vieira, Patricya Travassos, Thereza Piffer e Arlete Salles em uma celebração do passado (Foto: Paula Kossatz)

Em 1990, o Brasil era bem diferente. Fernando Collor de Mello tinha acabado de assumir a presidência da República através do voto direto, a inflação galopante transformava os preços em uma surpresa diária ao consumidor e “A Partilha” chegava aos palcos. Conhecido pelas novelas e por espetáculos vinculados ao besteirol, o ator Miguel Falabella fazia dessa comédia dramática a aposta para se estabelecer como dramaturgo capaz de aliar riso e alguma profundidade. O sucesso foi retumbante, rendeu consecutivas montagens e uma adaptação para o cinema em 2001. Duas décadas depois, o país mudou e “A Partilha” – como texto – continua a mesma. A obra conserva o tocante e bem construído retrato da condição feminina massacrada pelos homens e é lembrado como o passo consagrador da trajetória de seu autor. Em cena, porém, da forma que está no Teatro Shopping Frei Caneca, a trama envolvendo quatro irmãs que se reencontram depois da morte da mãe para dividir os bens perde o fôlego e, principalmente, a sutileza por causa de escolhas arriscadas.

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A primeira – e mais complicada – foi reunir praticamente o mesmo elenco do original. Estão no palco três das atrizes, Arlete Salles, Susana Vieira e Thereza Piffer, ao lado de Patricya Travassos (substituindo Natália do Vale), por ser, acredito, uma comemoração. A razão saudosista e festiva pode ser compreendida, claro, mas a montagem adotou um caráter atemporal na narrativa. Isso exige que o espectador abra mão de uma coerência cronológica para embarcar na trama e também releve que muitos dos conflitos ali presentes já estão um pouco ultrapassados e não condizem com a idade daquelas mulheres.

Chique e vendendo a imagem de bem-sucedida, a primogênita Maria Lúcia (papel de Arlete) mora em Paris. A desencanada Regina (vivida por Susana) jura ser dona do próprio nariz, enquanto Selma (personagem de Patricya) casou-se com um militar e é tão reprimida como se se morasse no quartel. Temporã, a jornalista Laurinha (Thereza) fugiu do mundo masculino sem assumir-se plenamente diante da família como lésbica. As quatro irmãs falam de e-mails, do caos nos aeroportos e precificam o apartamento a ser vendido em R$ 500 000, um valor próximo ao praticado em 2012. Ao mesmo tempo, uma delas foi defensora do contraditório político Carlos Lacerda (1914-1977), que teve seu auge no final da década de 50,  e outra participou das passeatas contra a ditadura militar na segunda metade dos 60. Espantoso é que duas delas, Maria Lúcia e Selma, ainda tenham filhos adolescentes ou entrando na vida adulta. Por fim, a irmã caçula vai defender uma tese acadêmica sobre o “riso no fim do milênio”, tema um pouco atrasado para a segunda década do século XXI.

A direção de Miguel Falabella deixou as atrizes completamente livres, e o auge da peça é a deliciosa cena em que elas dividem uma pizza. Se isso endossa o caráter comemorativo, muitas vezes desvaloriza momentos realmente cômicos ou trágicos. Mais segura e convincente, Arlete Salles destaca-se principalmente por transitar de forma coerente entre as diferentes emoções da personagem. Patricya mantém-se na linearidade, unificando uma faceta ranzinza e amarga. Susana, por sua vez, aproveita-se da personalidade maluquete de Regina para explorar ao máximo o histrionismo em busca da cumplicidade da plateia. A mais prejudicada por essa passagem do tempo foi Thereza Piffer, não só pela idade da personagem – no original, por volta de 25 anos – como pela inadequação dos conflitos. Laurinha ainda parece mais jovem que as irmãs, mas não como uma temporã que justificaria a criação tão diferente e a falta de intimidade com elas. Como dramaturgia, “A Partilha” confirma-se interessante e forte. Essa montagem, porém, deve ser vista apenas como uma celebração para que um grupo de atrizes reviva um grande momento da carreira delas. Se a pretensão fosse outra, Falabella teria feito uma adaptação mais rígida para pelo menos não deixar tão claro esse descompasso com o tempo.

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