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São Paulo nas Alturas

Por Raul Juste Lores Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Redator-chefe de Veja São Paulo, é autor do livro "São Paulo nas Alturas", sobre a Pauliceia dos anos 50. Ex-correspondente em Pequim, Nova York, Washington e Buenos Aires, escreve sobre urbanismo e arquitetura
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#SPSonha: o desafio da isolada Villa XP

Projeto em São Roque será dos arquitetos Marcio Kogan e Guto Requena, que terão o desafio de melhorar uma proposta que nasceu antiguada

Por Raul Juste Lores Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
24 jul 2020, 06h00
O novo Boa Vista Village, da JHSF, responsável pela Villa XP (Divulgação/Divulgação)
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Os arquitetos Marcio Kogan e Guto Requena serão os responsáveis pelo projeto da “Villa XP”, a sede suburbana do banco XP, em São Roque, a 65 quilômetros de São Paulo. A proposta deles derrotou concorrentes como os escritórios Triptyque e Athié Wohnrath, segundo fontes da XP. O câmpus ficará em uma área de 500 000 metros quadrados, cercada hoje por um bosque de eucaliptos, onde a incorporadora JHSF construiu um aeroporto executivo, um outlet e promete um resort.

Ao divulgar a mudança da sede, um texto chamado de “ficção” dizia que seria bom “deixar o caos da cidade grande para trás”, algo insensível em tempos de pandemia, quando a maioria não tinha para onde correr, e em plena queda de arrecadação municipal. Uma fuga quando a cidade mais precisa do PIB presente.

No mês passado, o presidente da XP, Guilherme Benchimol, comparou sua “Villa” ao complexo da Apple, em Cupertino, na Califórnia. Muito criticado à época, foi um projeto gestado em 2006, com um estacionamento de 14 000 vagas, maior até que o prédio, em meio ao verde do Vale do Silício. Ao divulgar sua empreitada em uma rede social, Benchimol mostrou uma vista aérea do lugar, bastante isolado e ainda sem construções.

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Essa versão brasileira, catorze anos depois da “inovação” da Apple, também foi criticada por urbanistas locais. “Não é inovador, nem ecológico obrigar funcionários, visitantes e fornecedores a se deslocarem para tão longe e de carro, onde não há metrô, nem transporte público”, escreveu Anthony Ling. O arquiteto Jaime Lerner, ex-prefeito de Curitiba, declarou recentemente que “condomínios horizontais são a anticidade”, referindo-se a empreendimentos similares aos Alphaville e Fazenda Boa Vista, onde se refugiou parte do empresariado brasileiro durante a quarentena. “Uma boa convivência não é em condomínio horizontal, que afasta as pessoas da cidade. Diversidade é qualidade de vida, seja na função, seja na renda.”

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A ideia de largar a cidade não é nova: fábricas ao longo do século passado, poluentes e que buscavam terrenos baratos, marcharam para o interior. Não é bem o caso do setor de finanças, como a XP. Quando partem para subúrbios próximos, apenas contribuem com mais trânsito: como já aconteceu com Alphaville, essas elites continuam a precisar da qualidade superior de serviços da capital, atravancando as Marginais e emitindo muito CO2 na atmosfera. A vontade de não corrigir os problemas urbanos, criando bairros ou cidades do zero, já foi testada diversas vezes pelo Brasil. O Rio de Janeiro padeceu com a criação de Brasília (e da Barra da Tijuca). O governo federal e a elite da Barra não criaram lugares superiores aos que estavam deixando para trás — a Zona Sul do Rio. Em Belo Horizonte, a nova Cidade Administrativa, de Aécio e Niemeyer, tirou empregos do centro de BH e gerou congestionamentos.

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Um lado positivo da escolha de Kogan e Requena, porém, é a seleção de profissionais de qualidade. Especialmente quando comparada a projetos anteriores da JHSF. O seu mais conhecido, o Parque Cidade Jardim, feito pelo arquiteto argentino Pablo Slemenson, possui torres que fazem uma versão kitsch do neoclássico francês do século XIX. O conjunto foi descrito como “arquitetura lúgubre” pelo urbanista dinamarquês Jan Gehl. “Os moradores devem se esconder aí, é gente que foge da interação”, me disse Gehl ao avistar as torres magrinhas, de massa corrida imitando pedra parisiense. Até mansardas foram colocadas na cobertura, mesmo com a ausência de neve em São Paulo. O Parque Cidade Jardim, feito pela incorporadora escolhida pela XP, nem sequer tem calçada ou acesso pela rua. A entrada pela via expressa se limita à carga e descarga, e não existe entrada de pedestres para o shopping embaixo. Balizas improvisadas tentam separar o hipotético caminhante das rampas para carros. Antes disso, Slemenson assinou o projeto de prédios como Chateaux Margaux e Chateau Lafite (o nome explica o desespero por status, digno de xeques sauditas).

Como é cedo para comemorar a mudança de critérios, o próprio Slemenson é responsável por outro recém-anunciado empreendimento da JHSF, o Boa Vista Village, um condomínio horizontal também espalhado e suburbano, onde o carro é a única opção. Não exatamente sustentável. Se o século XXI é o da sustentabilidade, inovador é transformar e reutilizar o que já está construído em vez de ficar construindo do zero em terras virgens. E colocar emprego e moradia onde já existam metrô, corredores de ônibus, ciclovias e mobilidade não poluente. Caberá a Kogan e a Requena melhorar uma proposta que já nasceu antiquada.

Publicado em VEJA SÃO PAULO de 29 de julho de 2020, edição nº 2697. 

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