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São Paulo nas Alturas

Por Raul Juste Lores Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Redator-chefe de Veja São Paulo, é autor do livro "São Paulo nas Alturas", sobre a Pauliceia dos anos 50. Ex-correspondente em Pequim, Nova York, Washington e Buenos Aires, escreve sobre urbanismo e arquitetura
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SPSonha: O que prédios recuados têm a ver com a sensação de insegurança?

O economista Matheus Hector Garcia discute como as calçadas ficam sem vida (e sem vigilância espontânea) quando os térreos são muito afastados

Por Matheus Hector Garcia
Atualizado em 31 Maio 2019, 08h48 - Publicado em 31 Maio 2019, 06h00
Edifícios sem recuos são comuns em Barcelona: alta densidade e olhos na rua (ANDREY KRAV/Getty Images)
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O número de assassinatos em São Paulo caiu drasticamente nos últimos vinte anos. Entre 1999 e 2017, a taxa de homicídios por 100 000 habitantes na capital diminuiu de 52 para 7,5. O Jardim Ângela, distrito da Zona Sul de São Paulo que, em 1996, foi considerado pela ONU o bairro mais violento do mundo, tem hoje índices de homicídios similares aos de Miami.

São Paulo está mais segura, mas o paulistano não sente a diferença. A culpa não é apenas dos programas policiais de fim de tarde: o número de roubos aumentou 30% entre 1998 e 2016. A sensação de insegurança ainda é enorme. No último relatório dos Indicadores de Referência de Bem-Estar no Município (Irbem), realizado pela Rede Nossa São Paulo em 2015, 89% dos paulistanos achavam a cidade pouco ou nada segura; em 2008, esse número era de 87%.

Nosso espaço urbano é avesso à convivência e à segurança. Na visão da urbanista Jane Jacobs, calçadas movimentadas melhoram a sensação de segurança, pois os pedestres autopoliciam as vias por onde andam e os assaltantes, por sua vez, evitam ruas movimentadas. Para ela, bairros seguros devem ter construções próximo da calçada, e os recuos são um problema. Os moradores deveriam ser os “olhos das ruas” e, ao estarem perto da calçada, atuariam como “vigilantes naturais”.

Até 1972, a cidade não tinha um plano diretor. A partir de então, adotou regras que obrigam os novos edifícios a deixar recuos e os impedem de ocupar o terreno inteiro. Assim, matamos toda a criatividade e boa intuição dos arquitetos de décadas anteriores. Na nova legislação, projetos como Copan e Conjunto Nacional, símbolos de autovigilância que mesclam residências com comércio e permanecem vivos 24 horas por dia, não poderiam mais ser construídos.

A justificava era que os recuos permitiriam alargar as vias para carros e seriam mais higiênicos para a cidade. Concepção atrasada, baseada numa teoria do século XVII que culpava o miasma (“ar ruim”) por diversas doenças e propunha a circulação do ar como solução. Hoje está claro que a falta de saneamento e a contaminação da água eram os responsáveis pelas endemias, mas os urbanistas ainda resistem à teoria microbacteriana.

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Paris
Paris: prédios com recuos também estão presentes (Alexandre battibugli/Veja SP)

Esse erro de diagnóstico promoveu o desperdício de terrenos em uma cidade com crescente demanda por moradias e decretou o fim das “fachadas ativas”. Sem resistência, os recuos caíram no gosto dos moradores e do mercado imobiliário, por causa da privacidade e da falsa sensação de segurança.

Dados revelam que a mudança na disposição de fachadas e recuos melhoraria o quadro. Outro estudo, do professor Renato Saboya, em parceria com Júlio Vargas e Vinicius Netto, mostra a relação dos pedestres com as características arquitetônicas de diferentes regiões de Porto Alegre, Florianópolis e Rio de Janeiro. O efeito nocivo dos recuos é surpreendente. Ruas com prédios sem recuo frontal acabam tendo cinco vezes mais pedestres do que aquelas com prédios afastados da calçada. A mesma lógica vale para os recuos laterais: regiões com prédios próximos recebem, em média, quinze pedestres por minuto; regiões com prédios afastados, apenas três.

São Paulo, na última atualização do plano diretor, tentou enfrentar esse problema e estabeleceu incentivos e obrigatoriedades de fachadas ativas em algumas regiões. Entretanto, a medida é módica, pois não ataca os recuos laterais e mantém a taxa de ocupação, que não permite o uso completo do terreno.

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Ainda é culturalmente difícil tratar desse tema no Brasil, já que décadas de má arquitetura e planejamento acostumaram os habitantes a valorizar prédios individuais e isolados. Enquanto em São Paulo é inconcebível pensar em edifícios colados, em Paris e Nova York as pessoas elogiam a beleza urbanística das cidades.

Mudar a taxa de ocupação do solo e acabar com os recuos não são apenas medidas que melhoram o aproveitamento dos terrenos e aumentam o número de moradias, mas também maneiras de construir uma cidade mais convidativa e segura. De que adianta sentir-se seguro do portão para dentro mas ser vulnerável do portão para fora?

> Matheus Hector Garcia é economista e cofundador do Consilium Insper.

Publicado em VEJA SÃO PAULO de 05 de junho de 2019, edição nº 2637.

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