Sangue novo no Edifício Itália: aluguel barato atrai ex-faria limers
Além do escritório Pitá, dos arquitetos Nico Salto del Giorgio e Antonio Mantovani, a designer Melina Romano também está de mudança para o endereço icônico
Alugar um escritório no Edifício Itália pode custar até um quarto do preço da Faria Lima. O aluguel sai entre 20 e 30 reais o metro quadrado, enquanto o valor mínimo faria limer costuma ser de 80 reais… Antes mesmo da crise criada pelo “efeito XP”, o querido arranha-céu começou a atrair novos ocupantes.
Acaba de se instalar no 16º andar o escritório Pitá, dos arquitetos Nico Salto del Giorgio e Antonio Mantovani (que projetaram o Cubo, do Itaú, e as sedes do LinkedIn e Civico). Pelo mesmo valor que pagavam por 180 metros quadrados no Jardim Paulistano, ficaram com meia laje no Itália, de 450 metros quadrados. A designer Melina Romano também está de mudança para lá, onde já funciona há anos o Tacoa Arquitetos.
Além da pechincha e do endereço icônico, não dói ter uma estação de metrô praticamente em frente, com as linhas Amarela e Vermelha à mão, e estar a passos da Casa do Porco, do Dona Onça, do Orfeu, da balada Tokyo, do Sertó, do Esther Rooftop, alguns dos endereços mais bacanas da Pauliceia.
Encantado com o novo endereço, o Pitá até organizou um livro sobre o Itália. O sangue novo pode causar outros efeitos no edifício, que, como qualquer personalidade quase sexagenária, pede cuidados. O Circolo Italiano vive o envelhecimento comum a outros clubes sociais, com espaços de pouquíssimo uso. Já o Terraço Itália denuncia sua idade pela decoração pesada. Implora por um design contemporâneo e menos careta, à altura das matadoras vistas e do serviço atencioso. Carpete no novo normal é insalubre. Quem sabe os vizinhos recém-chegados possam dar uma consultoria.
A galeria no térreo tem diversos espaços vazios e perdeu seu caráter de circulação entre Ipiranga e São Luís por ter a entrada para essa última fechada. Ainda não passou pela renovação que as galerias do Rock ou Metrópole vivem. Com a necessidade de lugares ao ar livre no pós- quarentena, sua larga calçada poderia ser usada à noite — ou mesmo o terração desperdiçado do Circolo, onde a escultura do Cavalo Rampante chama atenção.
O térreo também é vitima de uma poluição visual que destoa do racionalismo do arquiteto Franz Heep, autor do projeto (de 1953- 1954; só ficou pronto em 1965). Tem de inexplicáveis portas de vidro na entrada dos elevadores a penduricalhos no saguão — em desenho de Heep, menos deveria ser mais.
Já que é para sonhar com melhorias, que a iluminação da fachada ovalada e com quebra-sóis seja mais frequente — os prédios históricos de São Paulo precisam de mais luz, para lembrar nossa amnésica sociedade o patrimônio que possui. O centro de São Paulo ganharia muito com melhor iluminação — os postes normalmente apontam para a rua, a serviço do automóvel, mas deixam prédios e calçadas no breu.
O Itália também é um lembrete dos feitos da comunidade italiana, que soube fazer um concurso de arquitetura para escolher o projeto que resultasse mais impactante (e ganhou a melhor proposta). Algo bastante incomum no piloto automático que testemunhamos por todos os lados, e que produz sedes de bancos, estações de metrô e terminais de aeroporto desengonçados.
Na São Paulo que cresce para os lados, até destruir os mananciais, o gigante da Ipiranga comprova o erro da legislação que inviabilizou arranha-céus (os dois maiores paulistanos foram aprovados há mais de sessenta anos, este e o Zarzur). No terreno de 2 382 m2 do antigo palacete do Circolo, a prefeitura permitiu em 1954 a torre com 52 000 m² de área construída, em 46 andares (pelas leis atuais, o Itália teria um quinto desse tamanho). Naquela época, a capital não tinha plano diretor nem zoneamento, mas permitia marcos em esquinas de destaque. O que determinava a altura dos prédios era a largura da rua (quanto mais larga, mais alto poderia ser o prédio, sem fazer sombra ao vizinho da frente).
O engenheiro Otto Meinberg e o arquiteto Franz Heep reinterpretaram a regra: a altura do Itália seria calculada pela distância entre seu terreno e a Praça da República, diagonalmente (quase o dobro do tamanho da largura da Ipiranga). A dupla usou o mesmo expediente no primeiro prédio da Praça Roosevelt, o Icaraí — sem tirar o sol de ninguém. Hoje, faltam terrenos em áreas centrais e nos damos ao luxo de espraiar e criar “novos centros” a cada década, sem a infraestrutura da República ou da Paulista. De muitos jeitos, o Itália contém aulas do passado ao futuro.
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Publicado em VEJA SÃO PAULO de 8 de julho de 2020, edição nº 2694.
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