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São Paulo nas Alturas

Por Raul Juste Lores Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Redator-chefe de Veja São Paulo, é autor do livro "São Paulo nas Alturas", sobre a Pauliceia dos anos 50. Ex-correspondente em Pequim, Nova York, Washington e Buenos Aires, escreve sobre urbanismo e arquitetura

À espera de novos desabamentos: Casa das Retortas e antigo quartel da PM

#SPSonha: duas das mais antigas construções históricas da capital, os prédios estão abandonados à própria sorte pelo poder público

Por Raul Juste Lores Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 21 ago 2020, 08h19 - Publicado em 21 ago 2020, 06h00
O pioneiro gasômetro de São Paulo: imprensa não pode visitar “por questões de segurança” (Ricardo @drone.cyrillo/Divulgação)
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A burocracia para qualquer investidor que pretenda restaurar um bem tombado pode ser bem morosa. Foram cinco anos de espera para aprovar o projeto de restauro e adaptação do antigo hospital e maternidade Umberto Primo para dar início às obras da Cidade Matarazzo, na Bela Vista; e seis anos de idas e vindas para aprovar um prédio nos fundos do casarão da Alameda Santos com a Padre João Manuel, onde hoje funciona o Gula Gula. As exigências pós-tombamento não dão as caras quando o próprio poder público deixa seus bens definharem. Duas das mais antigas e monumentais construções da capital, nas mãos do governo do estado, se desmancham nos arredores do Parque Dom Pedro. A primeira é a Casa das Retortas, chamada assim por causa das máquinas que recebiam o carvão naquele pioneiro gasômetro que iluminava todos os lampiões da capital (o complexo ficou pronto em 1889), erguido em terrenos pertencentes à Marquesa de Santos.

A enorme construção de tijolinhos foi erguida pela inglesa São Paulo Gas Company. Se estivesse em Londres, talvez já abrigasse restaurantes, bares ou alguma empresa da nova economia (que não se contentasse com os monótonos envidraçados da Faria Lima). Em São Paulo, porém, o cacoete da intelligentsia é sempre o mesmo: “Por que não fazer um novo centro cultural?”. É a sina de passar o ano inteiro defendendo a periferia, em vagas manifestações, mas pressionar mesmo por museus em áreas centrais, como se dinheiro público sobrasse e os museus já existentes não passassem por problemas de caixa.

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Não faltaram projetos de museus para a Retortas: da TV Brasileira, da Moda, do Futebol… Em 2009, a Secretaria Estadual de Cultura anunciou o Museu da História de São Paulo ali, mas ninguém se lembrou de verificar se o terreno de 20 000 metros quadrados estava contaminado (um detalhe). A descontaminação foi feita, mas todo o resto desandou. Anunciadas em 2009, as obras do museu já consumiram cerca de 120 milhões de reais, mas foram paralisadas há mais de seis anos. Mesmo da Rua Maria Domitila nota-se que parte do anexo construído já se encontra enferrujada. Para completar a obra zicada, seriam necessários pelo menos outros 80 milhões de reais. Por dois meses, a Secretaria de Cultura impediu o acesso da Vejinha ao local, por “questões de segurança”, sem dar explicações. Estará mais largado do que se vê a distância?

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A menos de um quilômetro dali, outra propriedade estadual parece que vai desabar antes: o antigo quartel do Segundo Batalhão da PM, desativado há 23 anos. É uma raríssima construção paulistana iniciada no século XVIII ainda em pé: foi asilo, hospício, sede da Força Pública e do Exército (onde serviu o atleta João do Pulo como sargento). Em 2012, o então governador Geraldo Alckmin anunciou um Museu Histórico da PM, que jamais saiu da gaveta. Em nota, a Secretaria de Segurança Pública afirma que o processo de restauro está sendo analisado pelos órgãos competentes (resposta igualzinha à recebida por este jornalista em 2017). Para que a pressa? Quem se lembra do tombado (e belíssimo) Edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo do Paissandu, que desabou em 2018, propriedade por mais de quarenta anos do governo federal? Ou do Museu Nacional no Rio, que virou cinzas no mesmo ano, administrado pela UFRJ? Os pouquíssimos pedestres que ousam passar perto do quartel veem rachaduras e as telas que impedem que destroços atinjam algum desavisado.

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Construções históricas têm recebido destinos bem mais criativos mundo afora: do antigo mercado de peixes de Buenos Aires, que virou um centro de startups de design, ao Matadero madrilenho, que abriga empresas de games e produtoras de cinema, e à centenária cervejaria Pearl, em San Antonio, no Texas, que abriga escola de gastronomia, hotel, lojas e até lofts. A mediocridade arquitetônica atual é tanta que, mesmo sem interesses escusos, há uma genuína defesa pela menor interferência possível no patrimônio (algo pior sempre pode surgir no lugar). Dar novos usos, porém, não é fácil. Muitos burocratas inertes preferem barrar qualquer “privatização”. Apesar de abandonadas há décadas, essas construções subitamente se tornam muito valiosas quando um privado se interessa. Mesmo concedidas a terceiros, a novela arrastada dos órgãos de preservação pode espantar os poucos que veem o imenso valor desses dois monumentos um tanto desconhecidos da Pauliceia.

Publicado em VEJA SÃO PAULO de 26 de agosto de 2020, edição nº 2701.

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