A arquitetura do belíssimo Mosteiro de São Bento em Vinhedo
O arquiteto Hans Broos conseguiu fazer o que diferentes religiões patinaram no Brasil do século XX: grande arquitetura que remeta à existência de Deus
O canto dos monges emociona, os deliciosos pãezinhos e até sorvetes ali vendidos atraem muitos fiéis, mas é a arquitetura que manifesta visualmente o divino no belíssimo Mosteiro de São Bento em Vinhedo. Projetado pelo mestre Hans Broos, foi construído entre 1965 e 1988. O arquiteto, nascido no que hoje é a Eslováquia, fez alguns dos mais refinados templos religiosos do país. O evangélico Itoupava Seca, em Blumenau (de 1953), a Igreja de São Bonifácio (1960), na Vila Mariana, e a Abadia de Santa Maria, no Tucuruvi (1975).
Em quase sessenta anos no Brasil, principalmente entre Blumenau e São Paulo (morou aqui por mais de quarenta anos), Broos conseguiu fazer o que diferentes religiões patinaram no Brasil do século XX: grande arquitetura que remeta à existência de Deus. Da Idade Média em diante, templos, torres enormes, campanários, arcos, abóbadas, iluminação, incenso, acústica, ornamentos, claro-escuro, do gótico ao barroco, do rococó ao modernismo, quiseram enlevar os discípulos.
Líderes religiosos já foram grandes mecenas das artes, bastante ousados nas escolhas de seus artistas protegidos. Do arcebispo de Toledo com El Greco ao cardeal Borghese, que apostou em Caravaggio. A Alhambra de Granada revela a sofisticação do Islã no início do milênio passado. No século XX, sinagogas foram projetadas por arquitetos como Frank Lloyd Wright e Erich Mendelsohn.
+Assine a Vejinha a partir de 6,90.
Ateu, Oscar Niemeyer me disse que seu trabalho tinha muito em comum com a Igreja: “Gostamos de surpreender, de levar as pessoas para outra dimensão”.
Tal desafio ecumênico se perdeu no país. Com raríssimas exceções (Pampulha e Nossa Senhora de Fátima, de Niemeyer, a Igreja de São Domingos, em Perdizes, de Franz Heep, a Igreja Matriz São Luiz Gonzaga, de Gottfried Böhm, em Brusque, SC, além das já mencionadas obras de Broos em São Paulo e Blumenau, e pouco mais), templos, igrejas, sinagogas e mesquitas fizeram pouco ou quase nada para oferecer algo novo e mágico.
Pelo mundo, de Barragán a Tadao Ando, de Richard Meier a Moneo, vários grandes arquitetos tentaram expressar o divino nas últimas décadas. Sem apelar a réplicas, passadismo ou versões Disney de estilos renascentistas ou medievais. Como tamanho ou dinheiro não são documento, o Brasil cometeu a Basílica de Aparecida e as catedrais do Rio de Janeiro e da Sé. Sobre essa última, Lina Bo Bardi dizia que “colocava em dúvida a fé do mais fervente crente” e que nos deixava a todos melancólicos. A lista de oportunidades perdidas ainda tem o Templo de Salomão e a sinagoga na Rua Veiga Filho. Pode-se dizer que as religiões fizeram construção e não arquitetura ultimamente na cidade. Um pecado.
Outra heresia é ver o mágico mosteiro de Broos cercado por condomínios fechados (pior que isso, amuralhados) na rica Vinhedo. Em tempos de pandemia, não são poucos os que andam romantizando a “qualidade de vida” no desenvolvido interior paulista. Vinhedo é um bom lembrete do que estamos fazendo nos antes bucólicos arredores da capital: dezenas de condomínios povoados com chateauzinhos cafonas (os americanos apelidaram essa “arquitetura” de McMansions), onde se precisa de carro para tudo. Do restaurante à academia, e é muita emissão de CO2 no planeta. E haja trânsito! Casas padronizadas, que fariam a festa dos roteiristas de Beleza Americana ou Desperate Housewives. Mesmo os condomínios “de luxo” têm essa arquitetura pobrinha, uma uniformidade que maltrata os olhos mais exigentes.
Enclausurados, os habitantes mal usam o parque da Represa Gasparini (em mau estado). O Teatro Municipal está fechado há dois anos. E há um memorial do imigrante que é miniatura pobre da Casa Branca, da escola de arquitetura das lojas Havan. Deus está vendo.
+Assine a Vejinha a partir de 6,90.
Publicado em VEJA São Paulo de 27 de janeiro de 2021, edição nº 2722