Com projetos de café, restaurante e chuveiro, Ibirapuera chega aos 70 anos
Parque planeja novos espaços, mas antigos problemas, como circulação de bikes, ainda geram confusão
Inaugurado em 21 de agosto de 1954 em meio às comemorações do IV Centenário de São Paulo, o Parque Ibirapuera é disparado a área verde mais visitada da cidade. Em 2023, 17 milhões de pessoas passaram pelos seus dez portões, uma média de 46 000 por dia.
Nenhum outro parque da metrópole recebe tanta gente, incluindo os dois maiores, Anhanguera, na Zona Norte, e Carmo, na Zona Leste. São vários os fatores que levam o Ibirapuera a ser o mais concorrido: centralidade, acessibilidade, ausência de concorrentes, multifuncionalidade, além da sua capacidade de atrair os mais diversos públicos.
Do esportista que pedala nos 3 quilômetros de ciclovia ou bate uma bola nas suas treze quadras à família que faz piquenique em um dos seus três lagos, o parque possui uma infinidade de opções esportivas, sociais e, claro, culturais.
No último domingo, por exemplo, um público de 15 000 pessoas se emocionou com a apresentação da atriz Fernanda Montenegro, que leu textos da pensadora francesa Simone de Beauvoir.
Agora, ao passar a barreira dos setenta anos, o Ibirapuera, que é gerido há quatro anos por uma empresa privada, a Urbia, pretende oferecer novas experiências aos seus visitantes, com a inauguração de dois cafés, um restaurante italiano, dois espaços multiúso e vestiários com quinze chuveiros, sendo sete para mulheres, sete para homens e um adaptado para pessoas com deficiência.
Já em construção, os cafés ficarão próximos ao cachorródromo (no acesso da Avenida IV Centenário) e no lado oposto do estacionamento anexo ao MAM, embaixo de uma caixa-d’água antiga e reformada. O restaurante italiano, cuja marca ainda não foi anunciada, será erguido próximo à pista de cooper e nas imediações de outro restaurante inaugurado recentemente, o Selvagem.
Todos os empreendimentos serão entregues ainda este ano, assim como os espaços dos chuveiros, instalados na Arena Centauro. “Até hoje, quem vem ao parque não encontra um local para tomar banho. Com os chuveiros, a pessoa pode vir aqui, se exercitar e ir para o trabalho”, afirma Samuel Lloyd, diretor comercial da Urbia e uma espécie de “prefeito” do parque.
Ao contrário de outros serviços oferecidos ali, como empréstimo gratuito de materiais esportivos (bolas, redes, entre outros), o banho será cobrado. Os valores ainda não foram definidos.
Além das entregas previstas para os últimos meses de 2024, outras obras prometem aumentar o rol de utilização do espaço. Uma delas será o chamado hub de saúde, uma edificação destinada a atendimentos profissionais, cujo modelo de negócio ainda não foi definido. “Há possibilidades de atendimentos de consultas médicas e tratamentos, como fisioterapia”, afirma Lloyd.
Também está em fase de projeto o chamado hub multiuso, que poderá abrigar salas comerciais no andar de cima. No térreo haverá um comércio nos moldes de uma loja de conveniência.
Dentre as entregas, nenhuma é mais esperada que a reforma da marquise projetada por Oscar Niemeyer, que se deteriorava havia anos. A previsão é de conclusão no primeiro semestre de 2025.
Enquanto a gestão comemora sete décadas de um dos maiores cartões-postais da cidade e planeja novidades, antigos comerciantes locais se preocupam com o destino de suas atividades por ali. “Minha família está há décadas no Ibirapuera e estamos com medo de não poder mais trabalhar, pois não sabemos quanto teremos que pagar de aluguel pelo ponto”, diz um vendedor que pediu para não ser identificado.
Ele se refere ao fato de a Urbia fechar contratos individuais com cada ambulante e disponibilizar novos carrinhos a eles, mais modernos e com a logomarca de uma empresa patrocinadora. “Estamos dispostos a pagar, mas tem que ser dentro dos nossos parâmetros. Vamos brigar por nossos direitos”, diz.
As histórias de brigas por direitos, aliás, não são uma questão atual e também não se referem apenas aos comerciantes. Em 1988, o então prefeito Jânio Quadros, que despachava dentro do Ibirapuera, no prédio onde hoje funciona o Museu Afro Brasil, proibiu a prática de skate na área. “Ele começou a se incomodar com os skatistas, que andavam nos bancos, na parede, nas madeiras, em todos os lugares. Primeiro ele proibiu aos finais de semana, depois estendeu para todos os dias”, afirma o skatista Fabio Henrique Britto Araújo, 58.
Nos dias seguintes, Bolota, como é conhecido, e sua turma, os Ibiraboys, promoveram uma manifestação que começou no metrô Paraíso e terminou no portão 10. “O Jânio fechou o portão na nossa frente e, a partir daquele dia, o skate foi proibido na cidade toda.” A medida só foi revogada no ano seguinte pela então prefeita Luiza Erundina.
Quase quarenta anos depois, Bolota vê a marca do seu grupo estampada na pista, inaugurada há dois anos.
Outra lembrança de décadas passadas povoa a memória da jornalista Natalie Antar. Localizada ao lado do Pavilhão das Culturas Brasileiras, próximo ao Planetário, a estátua de um pastor alemão faz parte de sua infância. “Meu pai trazia a gente para fazer piquenique e sempre nos colocava ao lado ou em cima do cão. Toda vez que venho aqui eu dou um abraço na estátua”, diz Natalie, que continuou frequentando o Ibirapuera e chegou a trabalhar no departamento de comunicação da instituição. “Conheço centenas de parques mundo afora, mas aqui me sinto em casa. É daqui que trago lembranças de quando minha família estava completa”, diz, referindo-se ao falecimento do pai.
Também vem do pai, o cantor Wilson Simonal (1938-2000), uma memória de infância ainda muito nítida para o músico Simoninha. “Me recordo de vir com meu pai a uma apresentação no Viveiro Manequinho Lopes. Fizeram muitas fotos dele”, diz Simoninha, que frequenta a área de lazer de forma rotineira há mais de duas décadas. “Uma das maiores alegrias foi quando trouxe meu filho para correr comigo.”
Apesar de ver o parque como seu quintal, o artista, que mora na vizinha Moema, diz ter receio de frequentar o Ibirapuera em dias de muito movimento, por conta das bicicletas em alta velocidade. “Deveria ter um regramento melhor em relação a elas”, comenta.
No último domingo (18), a reportagem de Vejinha flagrou um início de briga envolvendo dois homens que trombaram com suas bikes na ciclovia. Mais comuns são as cenas de imprudência de muitos usuários. Eis uma demanda urgente para a Urbia resolver — e fazer do parque mais visitado da cidade um lugar ainda mais acolhedor.
Lembranças da vida.
Paula Lima, cantora: “Desde que me conheço por gente, frequento o parque. Aprendi a andar de bicicleta lá, e lembro da primeira vez que fui ao Planetário — foi um acontecimento. Depois, cantei no parque com Rita Lee e Zélia Duncan em 2004, também lancei dois álbuns e fiz o meu primeiro show voz e piano no Auditório. Quanta beleza em um só lugar.” (Tomás Novaes)
Publicado em VEJA São Paulo de 23 de agosto de 2024, edição nº 2907