Após juiz barrar obra na Vila Mariana, Nunes quer mais túneis na cidade
Prefeito, que recorre da decisão, vai lançar duas novas licitações nas avenidas Juscelino Kubitschek e Roberto Marinho
Previstas em 2011 para ficar prontas no ano seguinte, mas suspensas em 2013, as obras do túnel da Rua Sena Madureira, na Vila Mariana, voltaram com tudo há duas semanas, após a prefeitura retomar o projeto original. Desde então, vem ocorrendo uma série de reclamações e manifestações, tanto de ambientalistas, devido ao corte de árvores no perímetro, quanto de moradores de duas comunidades na vizinhança, que serão removidas.
Com uma pista de 980 metros de extensão (em direção ao Parque Ibirapuera) e outra no sentido contrário com 755 metros (que desemboca na Rua Coronel Luís Alves, na Chácara Klabin), a passagem subterrânea vai custar 531 milhões de reais e tem como principal objetivo eliminar o cruzamento das ruas Sena Madureira e Domingos de Morais, além de desafogar o trânsito no miolo do bairro, sobretudo dos carros que vão à Avenida Doutor Ricardo Jafet e ao sistema Anchieta-Imigrantes.
Uma das queixas, porém, é que a passagem vai sair a 700 metros da Ricardo Jafet e, portanto, continuará jogando os carros para dentro do bairro. “Construir túnel para desafogar um cruzamento tem como efeito entupir o ponto crítico seguinte, ainda mais se falando de uma cidade com 10 000 semáforos. Deveríamos estar discutindo a construção de mais corredores de ônibus, não de túneis”, afirma o engenheiro e mestre em transportes Sergio Ejzenberg.
Por se tratar de uma obra com efeitos em secretarias como Habitação, Meio Ambiente e Mobilidade, o prefeito Ricardo Nunes concentrou os trabalhos no secretário adjunto de Governo, Clodoaldo Pelissioni. Ex-secretário estadual de Transportes Metropolitanos, Pelissioni rebate as alegações de que a obra é inócua. “Estamos falando em um túnel que vai receber 40 000 carros por dia. Esses carros já estão circulando pelo bairro e vão deixar de fazê-lo para chegar à Imigrantes”, diz o secretário, que confirma, na mesma obra, a construção de uma ligação expressa entre o desemboque do túnel e o acesso à Avenida Doutor Ricardo Jafet.
Ao mesmo tempo que tenta convencer a população de que o túnel é necessário para a vizinhança, a prefeitura cadastrou 242 famílias residentes há décadas nas comunidades Souza Ramos e Luís Alves. “Fomos pegos de surpresa. As nossas casas estão em processo de regularização na Secretaria de Habitação, mas de uma hora para outra a prefeitura chega com caminhão, trator e quer nos tirar de nossas casas”, afirma o arquiteto e urbanista Eduardo Canejo, 61, presidente da Associação de Moradores da Comunidade Souza Ramos.
Segundo a prefeitura, as famílias cadastradas vivem em área irregular e serão ressarcidas pelo valor das construções, não da terra. Além disso, elas terão a opção de receber um aluguel social e terão prioridade em programas habitacionais municipais. Afora a questão das moradias, as obras do túnel enfrentam protestos ambientais devido ao corte de 180 árvores.
Ainda de acordo com a gestão municipal, desse montante, oito unidades estavam mortas. “A licença ambiental determina que devemos replantar 262 árvores depois que a obra estiver concluída, ou seja, teremos um ganho de 50% de área verde. Do ponto de vista ambiental, estamos seguros. Todos os órgãos de controle vão poder fiscalizar”, diz o secretário Pelissioni.
Na última quarta-feira (13), a Justiça determinou a paralisação imediata das obras, a partir de uma ação civil movida pelo Ministério Público, que pedia o cancelamento do contrato e a invalidação dos alvarás devido à supressão arbórea. Agora, dois peritos nomeados pelo juiz Marcelo Sérgio vão analisar se há possibilidade de os trabalhos continuarem sem causar danos.
“Temos todas as explicações. A licença ambiental está atendendo aos requisitos, a obra não vai interferir em córregos e na drenagem da região. O túnel tem o menor impacto ambiental possível”, diz o secretário adjunto de Governo, que vai recorrer da decisão.
Enquanto o imbróglio sobre a construção na Vila Mariana só aumenta, o prefeito Ricardo Nunes pretende abrir outras duas licitações para novas passagens subterrâneas: uma na Avenida Juscelino Kubitschek e outra na Avenida Jornalista Roberto Marinho.
A política de túneis vai continuar fazendo barulho.
Publicado em VEJA São Paulo de 15 de novembro de 2024, edição nº 2919