Marisa Monte e um “universo ao meu redor”
Já cansei de ouvir de alguns amigos que o meu trabalho é muito fácil. Basta ir a shows, ouvir música e entrevistar artistas. Eles só se esquecem de que nem sempre os CDs que preciso escutar são incríveis e que as apresentações (e condições climáticas) nem sempre são as ideais. Ainda assim, não tenho do […]
Já cansei de ouvir de alguns amigos que o meu trabalho é muito fácil. Basta ir a shows, ouvir música e entrevistar artistas. Eles só se esquecem de que nem sempre os CDs que preciso escutar são incríveis e que as apresentações (e condições climáticas) nem sempre são as ideais. Ainda assim, não tenho do que reclamar, por que quando um disco novo que vale a pena chega à redação ou um espetáculo surpreende pela megalomania ou por sua pura simplicidade, esqueço dessas adversidades… Nesse novo espaço, vou poder compartilhar um pouco do que vivo nesse meio. Com frequência, aparecerei com resenhas de shows, lançamentos, informações de turnês e conversas com artistas de gêneros diversos.
Para estrear com pé direito (ou seria com som na caixa?), entrevistei a cantora e compositora Marisa Monte. Após cinco anos do lançamento de Infinito Particular e de Universo ao Meu Redor, ela apareceu, em outubro do ano passado, com O Que Você Quer Saber de Verdade. Na quinta (21), ela inicia uma série de dezesseis apresentações por aqui, no HSBC Brasil. Marisa fala, entre outras coisas, sobre o processo de criação e o clipe que gravou ao lado do lutador Anderson Silva.
+ Leia a crítica dos shows desta semana
Após cinco anos, você lança O Que Você Quer Saber de Verdade. Por que tanto tempo? Como compositora, não sente uma “necessidade” de colocar tudo para fora?
Da última vez, lancei dois discos de uma vez. Eram 27 músicas inéditas. Acho que era bastante material para o público absorver com calma. Fora isso, eu fiz um DVD ao vivo em 2008. O pessoal nunca conta, mas eu conto. Depois, produzi O Mistério do Samba, que é um documentário sobre a velha guarda da Portela. Nesse tempo, também tive um neném (Helena, hoje com 3 anos). Tento seguir o curso natural das coisas. É claro que esta é a minha carreira, mas ela está inserida na minha vida. E minha vida ainda é mais importante. Quando saio dos palcos, perco a visibilidade e, para o público, é como seu eu não estivesse fazendo nada. Não fiquei conhecida por fazer um disco por ano e, sim, pelo palco e grandes turnês. Essa correria de lançamento seria impossível para mim.
Quando pensou em gravar o disco, qual foi a sua proposta para você mesma?
Não parti de um conceito, mas quando eu olho para o conjunto de canções, percebo que muitas delas falam do bem viver, mesmo quando tratam da questão amorosa. Isso se deve pelo trabalho ter surgido em um momento mais tranquilo para mim, em que fiquei mais em casa e com uma vida mais regrada. As músicas refletem isso. É uma busca pelo desfrutar da vida, do bem-estar mesmo. Foi tempo de ouvir as necessidades da alma.
Assim como o Chico Buarque, você fez todo lançamento do disco pela internet. Foi uma experiência positiva?
Acho que foi a maneira que encontrei para ser o mais democrática possível. Há uma grande competição na imprensa pelo furo e isso cria uma superficialidade na hora de apreciar o disco. Mas como criei bastante conteúdo para o site também, consegui satisfazer o meu público, que com certeza saiu ganhando.
E isso ajudou a atrair outro tipo de público?
Acho que a internet hoje não tem mais só público jovem. Isso é possível notar nos meus shows. No Sul, vi crianças, jovens e senhores. É muito legal quando o neto vai com a avó ou o filho vai com os pais.
A música O Que Você Quer Saber de Verdade deu nome do disco. E Verdade, Uma Ilusão nomeia a turnê. O que elas representam para o álbum?
São duas músicas que trabalham com o conceito da verdade e que contrapõem a ideia da verdade como algo absoluto. O Que Você Quer Saber de Verdade é a faixa que abre o disco. Ela é um apelo ao silêncio para que cada um possa ouvir o próprio coração. Assim é possível refletir sobre o mundo em que a gente vive, onda há tanta zoeira e informação desnecessária. Precisamos entender o que é relevante para nós para não nos perdermos no meio disso tudo. Mas isso é um desafio individual, porque o que é importante para mim não é, necessariamente, importante para o outro. A ideia de verdade só existe no íntimo, não no coletivo. Já Verdade, Uma Ilusão sugere que a verdade é relativa…
+ Assista ao vídeo de um trecho do show
Assim que pensou em fazer um clipe de Ainda Bem, você logo pensou em uma dança? Como surgiu a participação de Anderson Silva?
Eu gosto de dançar e vou a bailes no Rio de Janeiro. Achei que uma dança entre duas pessoas podia representar bem a ideia do encontro (confira o clipe aqui), que é o assunto da música. É a felicidade do encontro, a sorte de encontrar alguém. A dança é a imagem perfeita para isso. Logo pensei no Anderson Silva, porque sabia que ele também gostava de dançar. Foi muito agradável trabalhar com ele.
E ele dança bem?
Muito bem… acho que ele arrasou. Ele é um atleta, um campeão brasileiro em um esporte de luta. Achei muito legal ele mostrar a delicadeza e o cuidado dele por meio da dança. Gostei de poder revelar esse lado dele. A voz dele já me dizia isso, que a alma é doce.
Você assiste às lutas de MMA?
Cara, mais ou menos. Meu marido adora. Ele é faixa preta de jiu jitsu e treina desde criança. Como ele gosta do esporte, acabo assistindo de tabela.
Duas músicas do disco (Ainda Bem e Depois) estão em novelas. Isso ainda é relevante para você?
Eu acho que a novela não tem o mérito de fazer as músicas serem boas. Ela expõe a música e, se a música for ruim, pode até ser prejudicial. Se a música é legal, acaba sendo positivo para o público e a novela. No caso dessas duas em questão, eu as acho muito lindas. Independente da novela, o público poderia encontrá-las de vários jeitos, como na internet ou no próprio disco. A novela é apenas mais uma maneira.
Algumas críticas apontam o seu disco como algo na zona de conforto. O que acha disso?
A única pessoa que tem que ficar 100% satisfeita sou eu, porque respondo por essa trabalho pelo resto da vida. Não tenho a menor pretensão de satisfazer todo mundo. Isso seria impossível. Sou muito exigente e rigorosa. Eu faço o meu melhor o tempo todo, então discordo do que falaram. Não vou jogar fora tudo o que tenho na minha vida a cada trabalho e nem sair negando a minha história a cada trabalho. A qualquer momento até posso fazer um disco mais conceitual, mas não é o que eu queria para o momento. . No disco tem muitas novas experiências, eu poderia fazer uma lista. Mas cada um fala o que quiser e assina embaixo. Eu não posso fazer a crítica da crítica. Sou bastante criteriosa. Estou feliz, acho o disco lindo e que se comunica com o público. É o meu melhor deste momento.
Você se preocupa na relação em que o público terá com o trabalho?
Quando ele fica pronto, não tenho mais o que fazer. O CD vai ter a história dele e fazer parte do mundo. Deixa de ser meu para ser das pessoas. Não tem como mudá-lo depois que fica pronto.
O show do disco investe bastante na parte visual. Não acha que isso pode se sobressair às canções?
Promovo um diálogo entre as músicas e artes plásticas. Para mim, a coisa está totalmente equilibrada, mas isso é a opinião de cada um. Aliás, eu sou quem menos vê o show. Eu fiz alguns ensaios de fora, mas acho que uma coisa potencializa a outra de uma forma muito linda. É risco que eu estou correndo, mas é bom para vocês não dizerem que estou na zona de conforto. É o oposto do que estávamos falando antes.