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Gilberto Gil: “Assisto alguns capítulos de Avenida Brasil quando tenho tempo”

Em 2002, quando fez 60 anos, o baiano Gilberto Gil dispensou uma festa grandiosa. Como não tem o hábito de comemorar aniversário, ele apenas reuniu a família em um jantar em sua casa, no Rio de Janeiro. Uma década depois, a celebração dos 70 anos, em 26 de junho, seguiu nos moldes intimistas. Nesse mesmo dia, o […]

Por Leonam Bernardo
Atualizado em 10 set 2024, 16h57 - Publicado em 18 ago 2012, 07h00
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O cantor: “Nesse projeto, canções inéditas são secundárias” (Foto: Marcos Hermes)

Em 2002, quando fez 60 anos, o baiano Gilberto Gil dispensou uma festa grandiosa. Como não tem o hábito de comemorar aniversário, ele apenas reuniu a família em um jantar em sua casa, no Rio de Janeiro. Uma década depois, a celebração dos 70 anos, em 26 de junho, seguiu nos moldes intimistas. Nesse mesmo dia, o público foi agraciado com uma prévia — transmitida via YouTube — do DVD Concerto de Cordas & Máquinas de Ritmo, previsto para chegar às lojas em novembro. Trata-se do registro da apresentação realizada ao lado da Orquestra Petrobras Sinfônica, em maio, no Teatro Municipal da capital fluminense. É esse espetáculo que Gil traz ao Teatro Alfa, desta vez acompanhado de trinta membros da Orquestra Sinfônica da Bahia, além de uma banda composta por Jaques Morelenbaum (violoncelo), Gustavo Di Dalva (percussão), Nicolas Krassik (violino) e o filho Bem Gil (violão). No trabalho, a única canção inédita (e garantida no repertório) chama-se Eu Descobri. Confira a entrevista com Gilberto Gil:

A imprensa costuma fazer alvoroço quando algum artista chega a uma idade redonda. Também é significativo para o senhor?

Eu não tenho o hábito de comemorar aniversário, mas eu compreendo que a família, os fãs e a mídia sintam essa necessidade. Como trata-se de uma idade cheia, meus 70 anos tornam-se uma oportunidade para repassar a minha trajetória. Não é uma iniciativa minha. Para comemorar, apenas reuni os mais próximos em casa. Também achamos oportuno presentear o público com esse condensado do show no YouTube. Muita gente gostou de ver a prévia, devido o DVD sair só no fim do ano. Foi uma maneira de propiciar uma acesso imediato ao trabalho.

Li uma entrevista que o senhor deu quando completou 60 anos. Na ocasião, disse que trabalhar era uma fonte de prazer e aprendizado. A declaração ainda é válida?

Bastante. A música, para mim, tem o aspecto do divertimento e do entretenimento. Sempre foi e sempre será a minha principal fonte de alegria, contentamento e satisfação. Não posso ignorar também que é a minha principal fonte de renda e de onde eu tiro o meu sustento. O meu ganha pão. Esses dois elementos juntos me dão a motivação para continuar com o ofício de cantar.

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E o que considera ter aprimorado nos últimos anos?

A música precisa de um constante aperfeiçoamento, porque o modo como nos expressamos é proporcionado pelos elementos que juntamos na vida. O passar do tempo influencia na maneira de interpretar, nos instrumentos que você pode tocar e no uso da sua voz. No caso do violão, por exemplo, que é o instrumento de acompanhamento, você vai estabelecendo os critérios de escolha. Sabe o que tocar e como tocar. O canto também segue isso. O envelhecimento da voz influencia na escolha do que cantar e como cantar. Isso não é só na música, é em tudo na vida.

Já parou para fazer um balanço da vida?

Faço isso todos os dias. A reflexão da vida é permanente, não cíclica. Você é assaltado por essa preocupação quase todo dia. Alguns dias com mais intensidade do que outros. Às vezes penso: “O que eu estou fazendo aqui?”, “o que devo fazer?”, “para onde é que eu vou?”.

Qual música marca a sua trajetória?

São muitas. Mas a que eu gosto é Palco, porque acabou se instalando como uma espécie de talismã. Simboliza o compromisso com a minha atividade, com o ofício de cantar, de ser artista e de compor. É o encontro permanente com o público.

Como foi criado o show da turnê Concerto de Cordas & Máquina de Ritmo? 

Essa apresentação resulta de acumulações de alguns anos. Ela começou com um show solo que eu fazia do disco Gil Luminoso (2006), em que as escolhas estavam ligadas a uma espécie de originalidade do violão e da composição. Ao mesmo tempo, focava nas composições mais suaves e reflexivas. Depois veio Bandadois (2009), onde eu chamei o meu filho, Bem Gil, para se juntar a mim e enriquecer os arranjos de violão. Em um terceiro momento, veio o show com Jaques Morelenbaum. Aí já denominamos o projeto de Concerto de Cordas e Jaques deu algumas sugestões de músicas para o repertório, como Oriente e Viramundo.  Agora, no Concerto de Cordas & Máquina de Ritmo, adiciono mais um instrumento de corda, que é o violino do Nicolas Krassik, e a percussão do Gustado Di Dalva. Desde o começo, eu também considero, no conjunto das cordas, as minhas próprias cordas vocais.

No repertório, há versões de Dorival Caymmi, Jimi Hendrix, Luiz Gonzaga, Tom Jobim e músicas antigas do senhor. Não acha que o público esperava por composições inéditas? 

A volúpia do mundo de entretenimento com música quer que os artistas lancem novidades a cada ano. Mas a novidade não deve ficar restrita a canções inéditas, que são secundárias nesse projeto. As novidades são os novos arranjos, as novas junções de instrumentos e a utilização de orquestra. Há releituras, canções antigas, novas maneiras de lê-las e interpretá-las. Todo o conjunto adicional de sonoridades. Essa é a novidade. Se é que a gente pode chamar assim… de novidade.

Eu Descobri é a única nova. O que representa?

É mais uma dessas músicas filosofantes que são bem comuns no meu repertório. Tem reflexão sobre vida, morte, tempo, transcendência, dimensão filosófica, religiosa e pensamento científico. Tudo isso que tem sido característica do meu trabalho ao longo do tempo. Muitas tratam disso. É mais uma dessas.

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Gilberto Gil: “Caetano nem acha que envelheceu” (Foto: Jorge Bispo)

O senhor parecia comovido no show do Rio de Janeiro. Subir no palco ainda desperta emoção?

É por causa disso que nós estávamos discutindo. A cada novo projeto, tem grandes interrogações entre você e o público. O que é novo? O que é a surpresa? O que estamos fazendo aqui? O que significa esse encontro? Todas essas perguntas criam uma certa tensão necessária. Quando você vai levar um show desses para São Paulo, cria uma expectativa. Quem vai no show? Tem pessoas novas interessadas? Como os velhos fãs vão reagir? É uma tensão que pode desembocar em nervosismo ou ansiedade.

As pessoas costumam pensar em Gilberto Gil apenas no campo artístico. Como é no dia a dia?

Eu vejo muita televisão. Ainda outro dia assisti um documentário interessante sobre energias renováveis e os progressos na questão da energia eólica. Mas além de gostar de algumas séries americanas, assisto alguns capítulos de Avenida Brasil quando tenho tempo. Tembém assisto filmes infantis com os netos. Anteontem eu vi Harry Potter. A verdade é que sempre gostei muito de ficar em casa, mas antes eu era obrigado a sair. Precisava estar na noite e ir em estreias. Hoje, faço menos isso. Divido o tempo entre estar em casa e estar no trabalho, ou seja, viajando e fazendo shows.

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Em recente declaração, o senhor disse que fumou maconha até os 50 anos e a imprensa explorou o assunto. É hipocrisia reações como essas em 2012?

Não sei como as pessoas ainda se chocam. O meu envolvimento com a maconha sempre foi uma coisa pública e notória. Todo mundo sabia, eu fui preso, julgado, enfim… Hoje em dia, isso é uma discussão que está num repertório mais frequente por causa das questões da criminalização e da saúde pública. É um hábito que deixei há muitos anos e não ocupa mais espaço na minha mente. Do ponto de vista pessoal, não me preocupo, só me preocupo socialmente. Nesse sentido, eu estou próximo como qualquer cidadão.

O novo disco de Tom Zé, Tropicália Lixo Lógico, voltou as atenções para o movimento tropicalista mais uma vez. O que achou do trabalho dele?

Ouvi e gostei muito. Escutei só uma vez enquanto ia do Rio para um sítio. Agora, quero ouvir mais. De qualquer modo, eu achei o disco muito interessante, porque passa pelos gêneros preferidos do Tom Zé. E também passa pelos modos musicais mais tradicionais do próprio trabalho e da formação dele. Mandei dizer isso a ele, que me mandou a resposta: “Ô Gil, é somente um cordel”. Pois é, mas é um cordel riquíssimo.

No dia 7 de agosto, Caetano Veloso também completou 70 anos. Quem envelheceu melhor?

Quem sabe? (risos) No caso dele, por exemplo, ele nem acha que envelheceu (risos). Ele tem afirmado que não considera essa questão. Talvez a questão seja quem envelheceu mais. E, aparentemente, acho que fui eu.

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