Ana Cañas: “eu não preciso beber para cantar”
A cantora paulistana Ana Cañas, de 31 anos, ganhou notoriedade com as apresentações de jazz que fazia no Baretto, bar do hotel Fasano. Após receber elogios de Chico Buarque, não demorou para ser apontada como uma nova promessa. O álbum de estreia Amor e Caos (2oo7), no qual se distancia do repertório jazzístico para assumir […]
A cantora paulistana Ana Cañas, de 31 anos, ganhou notoriedade com as apresentações de jazz que fazia no Baretto, bar do hotel Fasano. Após receber elogios de Chico Buarque, não demorou para ser apontada como uma nova promessa. O álbum de estreia Amor e Caos (2oo7), no qual se distancia do repertório jazzístico para assumir canções autorais, também veio rápido. No segundo CD, Hein? (2009), deixou-se influenciar pelo rock, mas problemas pessoais atrapalharam na divulgação do trabalho. Após três anos recolhida, ela surge com Volta. Apesar de o disco ter alguns excessos, como a variedade de gêneros, Ana Cañas parece ter amadurecido. Confira a entrevista.
Amor e Caos marca a sua estreia autoral e Hein? é um flerte com o rock. O que representa Volta?
O meu terceiro disco é um reflexo dos meus gostos pessoais, há jazz, rock e blues. Mas também é minha volta às origens, como se fosse uma uma conexão com o que me motivou a cantar. Foi ouvindo Ella Fitzgerald que eu me encantei totalmente pela música. Nesse novo trabalho, regravei Billie Holiday e Edith Piaf, por exemplo, que tem tudo a ver com o começo da minha carreira.
Você sentia falta de jazz no repertório?
As pessoas sempre me pediam para gravar jazz. Apesar de cantar nos meus shows, eu sempre tive receio e medo de fazer o registro das canções. Como eu iria gravar alguma música que a Billie Holiday já cantou de um jeito que ninguém fará igual? Eu tinha essa relação intocável com o gênero. Só agora tomei coragem e gostei a ponto de lançar.
Por que demorou tanto para gravar um novo disco?
Eu senti a necessidade de responder algumas questões. Para onde eu vou? Quem sou eu? Que música eu quero fazer? Foi importante sair de cena, porque eu passei por uma fase conturbada. Vivi um inferno pessoal que eu levei para o palco por imaturidade. A irresponsabilidade me fez acreditar que não haveria uma consequência. Tive de refletir para conseguir resgatar a Ana que eu sempre fui. Eu não preciso beber para cantar, nunca precisei disso. Mas todos estão sujeitos a viver fases boas e ruins.
Volta foi gravado inteiro em Vargem Grande, no Rio de Janeiro?
A ideia de ir para o meio do mato surgiu quando assisti o DVD Exile on Main Street, dos Rolling Stones. Eles saíram do lugar comum e fizeram um disco sublime. Então eu fiquei com vontade de sair de São Paulo para esquecer das contas e dos problemas da casa. Precisava me concentrar só no disco. Como eu tinha a vontade de gravar ao vivo, rompi com a gravadora e fiz boa parte do trabalho em Vargem Grande. Quando eu voltei para a cidade, ouvi o material e notei que tinha muito barulho de grilo. Regravei algumas coisas, mas preservei outras.
Em São Paulo, também gravou ao vivo?
Sim. Inclusive, tem uma história engraçada. Eu gosto de encher o estúdio de velas para gravar. Estávamos em uma sala acústica, todos de olhos fechados, curtindo o momento. Quando percebi, uma vela tinha caído e havia uma labareda na nossa frente. Queimou o chão do estúdio inteiro…
A criação da Guela Records foi motivada pelo rompimento com a Sony?
Eu sempre tive muita liberdade na Sony, mas acho que a proposta de gravar ao vivo, no meio do mato e sem produtor soou um pouco estranho para eles. Como eu pedi para sair, banquei os músicos e fiz o disco independente. Se quisesse gravar no topo do Everest, eu poderia. Ao mesmo tempo, tive mais responsabilidade, porque tive de tormar todas as decisões sozinha. Algumas pessoas reclamaram que Volta tem muitos ritmos. Eu não sei onde está escrito que um disco, para ser bom, tem de ser só de jazz ou só de rock. Talvez ser eclética faça parte da minha personalidade musical. Precisei criar o selo Guela Records para poder lançar o trabalho. No fim, a Maria Gadu ouviu, gostou muito e pediu para levar na Som Livre, que ofereceu uma distribuição.
Você acha que o seu segundo disco, Hein?, foi pouco aproveitado?
Na verdade, acho que ele foi superestimado. A produção era do Liminha, então teve muita expectativa da gravadora e minha também. Como Hein? foi feito às pressas e eu estava muito deslumbrada com o rock and roll, acabou faltando coisas simples. Apesar disso, acho que o disco cumpriu a sua função. Tem a música Esconderijo.
Os elogios de Chico Buaque e ter sido apontada como promessa no meio musical ajudou ou atrapalhou?
É muito precioso receber um elogio de um cantor que você admira Mas, às vezes, a mídia explora isso e gera uma expectativa no público desse artista. Muitas vezes os fãs não vão se identificar com o que você faz. Quando o Chico me assistiu, por exemplo, ele me viu cantar Retrato em Banco e Preto. É uma música que eu nunca gravei. Ao mesmo tempo que o elogio parece um selo de qualidade, não há garantia.
Sobre o seu inferno pessoal, faltou conselho? O que ocorreu?
Quando você quer fazer alguma coisa, você faz independete dos conselhos. A Amy Winehouse é o melhor exemplo disso. Ela teve um fim trágico, mas muitas pessoas devem ter pedido para ela parar. Passei por uma fase difícil. Acredite se quiser, mas eu nunca botei uma gota de álcool na boca até os 26 anos. Tive de exorcisar um fantasma. A verdade é que eu não sou aquilo. Nunca precisei beber para cantar. A pessoa paga para me ver cantar e não fazer outra coisa.