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O diretor de teatro Antunes Filho morre aos 89 anos

O paulistano integrou a primeira geração de diretores brasileiros, comandou grandes atores nas décadas de 60, 70 e 80 e formou o Centro de Pesquisa Teatral

Por Dirceu Alves Jr.
Atualizado em 3 Maio 2019, 19h15 - Publicado em 2 Maio 2019, 23h43
Antunes Filho - Teatro
Antunes Filho - Teatro (Gui Mohallem/Veja SP)
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O diretor Antunes Filho, de 89 anos, morreu na noite desta quinta (2), por volta das 21h30, no Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, onde estava internado desde o dia 22. Ele tratava um tumor no pulmão e foi vítima de uma infecção respiratória. O velório está previsto para ser realizado a partir da manhã desta sexta, dia 3, no Teatro Anchieta, do Sesc Consolação, o palco onde o encenador realizou todos os seus maiores trabalhos nas últimas quatro décadas. O velório segue até as 15h, quando o corpo será levado para o crematório da Vila Alpina.

José Alves Antunes Filho nasceu em São Paulo em 12 de dezembro de 1929 e ingressou como assistente de direção no Teatro Brasileiro de Comédia (TBC). Trabalhou com os principais encenadores europeus aqui radicados, como Ziembinski, Adolfo Celi, Ruggero Jaccobi e Luciano Salce, importados pelo TBC para implantar no país uma estética semelhante a que era vista nos palcos internacionais. Sua estreia profissional se deu em 1953 com a comédia Week-End, montada no Teatro Íntimo Nicette Bruno. Dessa forma, Antunes passou a fazer parte da primeira geração de diretores brasileiros que criaram uma identidade para o nosso teatro. Em 1958, Antunes funda a companhia Pequeno Teatro de Comédia, que, no ano seguinte, conhece o sucesso com o espetáculo Plantão 21, com os atores Jardel Filho e Laura Cardoso. A exploração de um estilo realista, incomum até então, chamou atenção na trama ambientada em uma delegacia de polícia.

De volta ao Brasil, depois de uma temporada na Itália, Antunes dirige As Feiticeiras de Salém em 1960 e, a seguir, novamente no TBC, monta Yerma, de Federico García Lorca, tendo Cleyde Yáconis como protagonista. Logo, leva ao palco Veredas da Salvação, de Jorge Andrade, e conhece um grande sucesso em Black-Out, de Frederick Knott, em 1967, com Eva Wilma à frente do elenco. Na década de 1970, Antunes foi disputado pelos maiores atores brasileiros. Trabalhou com Juca de Oliveira no monólogo Corpo a Corpo e Paulo Autran em Nossa Vida em Família,  dois textos de Oduvaldo Viana Filho. Uma consagradora versão de Bodas de Sangue, de García Lorca, protagonizada pela atriz Maria Della Costa, foi destaque da temporada de 1973.

Nessa mesma época, Antunes realiza uma série de especiais para a TV Cultura, levando ao vídeo clássicos do teatro nacional e internacional. Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues, é um exemplo. Nos palcos, Bonitinha, Mas Ordinária, também de Nelson, rendeu um desempenho marcante a Miriam Mehler em 1974, mesmo ano em que Maria Della Costa trabalha na comédia Tome Conta de Amélie, vaudeville de Feydeau.

A partir da metade da década de 1970, Antunes começa a se sentir inquieto e busca renovações em suas investidas. A despedida de um teatro comercial se dá com dois espetáculos bem-sucedidos. Em Esperando Godot (1977), ele comanda um time feminino que conta com Lélia Abramo, Eva Wilma e Lilian Lemmertz, enquanto, no ano seguinte, reúne Raul Cortez e Tônia Carrero em Quem Tem Medo de Virginia Woolf?, de Edward Albee.

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A mudança radical se dá com a montagem de Macunaíma, adaptação do romance de Mário de Andrade, em que rompe com a estética comercial. Lançada em setembro de 1978, a peça se originou de uma oficina com jovens atores, entre eles o iniciante Cacá Carvalho, e foi ensaiada durante um ano. Tratou-se do embrião do CPT (Centro de Pesquisa Teatral), desenvolvido por Antunes nas quatro décadas seguintes, com o apoio do Sesc-SP, que revelou várias gerações de intérpretes.

Essa fase pós-Macunaíma leva Antunes a se aprofundar cada vez mais na linha de pesquisa. Destrincha Nelson em Nelson Rodrigues – O Eterno Retorno (1981) e Nelson 2 Rodrigues (1984), que voltaria a visitar em Paraíso Zona Norte, em 1989, e Senhora dos Afogados e Toda Nudez Será Castigada, no final da década de 2000. No mesmo 1984, os atores Giulia Gam e Marco Antônio Pâmio foram revelados em Romeu e Julieta. A Hora e Vez de Augusto Matraga (1986), baseada na obra de Guimarães Rosa, marcou o reencontro com Raul Cortez, que Antunes apontou mais de uma vez como o maior ator do teatro brasileiro.

No começo dos anos 90, Laura Cardoso e Luis Melo brilham em Vereda da Salvação e, durante a década de 2000, o diretor promove um profundo mergulho nas tragédias gregas, fase em que encontra na atriz Juliana Galdino o principal destaque do seus elencos. Seu último espetáculo, Eu Estava em Minha Casa e Esperava que a Chuva Chegasse, do francês Jean-Luc Lagarce, que estreou em setembro do ano passado, retoma o tradicional diálogo entre a tragédia  e conflitos contemporâneos em uma peça carregada de referências.

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Em entrevista exclusiva a esse jornalista, em fevereiro de 2014, Antunes Filho deu uma aula de teatro e de vida, falando de questões que, mais de cinco anos depois, conservam atualidade e comprovam sua lucidez. Confira alguns trechos.

“Eu dou a base para o início de carreira de um ator. Tenho cinco meses para começar e desenvolver um trabalho, um conhecimento em relação ao teatro. Meus atores são plantinhas. Boto água para que eles desenvolvam uma vida. E, durante essa vivência, você vai ou não se tornar um ator. Quando eu trabalho com os meninos, eu tento criar um sentimento neles. Eu os preparo para formar uma base. É como se fossem as primeiras aulas de direção para, um dia, eles saírem por aí guiando o próprio carro. Eu penso no que eles vão fazer no futuro. Penso em como vão aplicar essa base daqui uns quinze anos. Não é para ter pressa de nada.”

“A arte dramática é muito menos pesada do que se fala. Teatro é tudo. O que funciona no teatro é bom. O que não funciona é ruim, é chato. Os atores precisam de conhecimento e de uma técnica que permita fazer tudo com muito pouco. Dá gosto de ver um grande ator em cena. Não aqueles que apenas passaram pela vivência abstrata. Laura Cardoso é um exemplo. Ela adquiriu uma técnica extraordinária tanto de palco como de vida. Se não fosse isso, Laura não conseguiria fazer tudo o que faz até hoje. Não tem trejeitos, não é nada barroca, leva tudo com uma simplicidade impressionante. Nós trabalhamos duas vezes juntos. Em 1959, eu a conhecia dos corredores da TV Tupi e a chamei para fazer Plantão 21, ao lado do Jardel Filho, que era um ator genial. Em 1993, nos reencontramos em Vereda da Salvação. Laura é exigente, briga. Está certa porque precisa defender o que é dela. Muitas vezes, eu trabalho com gente jovem que não carrega experiência para poder expressar as coisas. Fica complicado.”

“Não são apenas os atores que não carregam mais vivência. Hoje, os espectadores também. Vamos pensar nesse momento. Houve uma coisa extraordinária para o Brasil. A classe média aumentou significativamente. Muita gente saiu da pobreza absoluta. Mas e o outro lado? O governo não proporciona acesso à cultura. Eles oferecem o grupo escolar. A escolaridade é boa para você ter educação, claro. Isso educa o homem, mas o torna servil. O nível das nossas faculdades é baixo. Só a cultura e as relações que você faz são capazes de libertar. O Brasil só será grande através da cultura. A formação escolar é ótima, é fundamental para fazer os bons funcionários de amanhã. Mas para ser mais que um bom funcionário você precisa ter cultura. Eu acho que nossa preocupação deve ser estender a mão para o outro. No meu caso, faço teatro para que alguém aprenda alguma coisa. Principalmente para que o público desenvolva o prazer, a alegria da arte. As pessoas precisam descobrir essa transcendência que só o teatro proporciona.”

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“Eu continuo fazendo teatro porque tenho fé. Não me resta outra alternativa. Se eu não tiver fé no teatro, parto para a bandidagem. Posso me relacionar de maneira pecaminosa no meio da cultura. Está cheio de movimentos estranhos por aí. Eu luto pelas coisas em que acredito. Eu mal consigo segurar uma plateia. Eu tento. Os atores também caem nessa. Querem fazer tudo e não fazem nada. É muita porcaria. Muita mistificação. A gente vive um momento de consumo absoluto. A mistificação está em tudo. Acho que nós temos o dever – antes de ser grande artista, bom artista ou médio artista – de estender a mão para o outro. E o Brasil precisa disso.”

“Eu sou o cara que mais… O cara que mais trouxe coisas novas no teatro. Eu quero transcender esse objetivo de fazer teatro. Eu quero a arte! Mas não aceito fazer isso só para mim. Eu quero que as pessoas também acompanhem isso. Nunca vou fazer uma coisa só para a minha masturbação. O Sesc veio muito a calhar nesse caso. Preciso ver o outro e pensar no outro. Eu tenho que ter uma vivência para agarrar o outro e ser um pouco responsável por esse outro. Afinal, tenho um compromisso com o Sesc. Eu gosto da arte conceitual. Adoro! Mas não me serve nesse momento. Preciso de coisas que elevem as pessoas. É sacanagem eu me masturbar e fingir que meus espetáculos não importam a mais ninguém.”

“Eu quero estender a mão para parte do público e, assim, acredito que vamos fazer um país melhor. Está ficando muito perigoso viver. Precisamos deixar de lado um pouco as denúncias e pensar nas resoluções. Mas é preciso tomar cuidado com as resoluções. Não é fazer justiça com as próprias mãos como no Rio de Janeiro. Isso é terrível. Eu penso na arte. Eu quero navegar, sair fora de mim! Quero atingir o sétimo céu! A alienação positiva é importante. Denúncia hoje em dia não. Chega de denúncia! É todo dia no jornal, no rádio, na TV. Ninguém vai ao teatro para ver mais denúncia. Não estou negando a denúncia. Só é preciso viver mais a arte.”

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“Quantas pessoas já foram embora do CPT brigadas comigo… Eu não posso prender ninguém aqui. Se ela quer ir embora, vai… Depois, tem gente que volta pedindo desculpas ou me encontra no meio da rua e me abraça. O que mais me incomoda é que eu choro quando isso acontece. Eu sou uma besta que chora. Fico muito comovido quando reencontro essas pessoas. Tem gente que me diz: ‘olha, você salvou a minha vida e me fez perceber tal coisa’. E muita gente seguiu outra profissão. De repente, esse cara faz algo que vai mudar a vida do outro em outra profissão, entende? E isso me dá uma enorme satisfação.”

“Eu vejo pessoas que comecei a preparar há muito tempo e acredito que, mais adiante, eles vão chegar lá. A maioria do elenco do espetáculo Nossa Cidade veio de testes do CPTezinho. Eles estão se preparando para se tornarem grandes atores. Mas já têm uma responsabilidade. Estão aqui dia após dia. Precisam vir aos feriados também. Você vai fazendo e aprendendo. O difícil é colocar essa noção de responsabilidade para dentro deles. Essa é a minha luta. O difícil é fazê-los descobrirem os livros, entenderem o bom cinema. O mundo lá fora conspira contra isso. Tudo o que é oferecido hoje em dia é comércio. E eu vou lá: ‘fulano, leia isso, veja aquilo’. No princípio, eles têm muita resistência. Acham os livros difíceis, sentem sono. E recomendo muitos filmes de arte, obras dos grandes diretores. Depois de um tempo, ele gosta e sei que passa só a assistir a esses filmes. Pô, que felicidade! Eles gostam. Só precisam ser educados. Os meninos descobrem um universo que têm dentro e não sabiam. E se uma pessoa descobre isso, meu Deus, já vale um curso inteiro. Imagina se você consegue convencer uns 20. Essa é a maior alegria que tenho. Não é o aplauso, não é ganhar um prêmio. E ver que eles estão se tornando gente.”

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