Dirigida por Guilherme Leme, “Trágica.3″ revisita os mitos gregos de Antígona, Medeia e Electra
Com quase três décadas de carreira, o ator paulista Guilherme Leme se revelou nos últimos anos um diretor surpreendente. Conduziu com brilhantismo Betty Faria no monólogo Shirley Valentine e montou uma versão para o clássico grego Antígona, batizada de RockAntygona, sob medida para o talento do ator Luis Melo. E fico apenas nesses dois exemplos. […]


Letícia Sabatella, Fernando Alves Pinto e Guilherme Leme: ensaios de “Trágicas.3″ no Rio (Fotos: Vitor Hugo Ceccato)
Com quase três décadas de carreira, o ator paulista Guilherme Leme se revelou nos últimos anos um diretor surpreendente. Conduziu com brilhantismo Betty Faria no monólogo Shirley Valentine e montou uma versão para o clássico grego Antígona, batizada de RockAntygona, sob medida para o talento do ator Luis Melo. E fico apenas nesses dois exemplos. Agora, Leme volta seu olhar novamente para os mitos gregos com o espetáculo Trágica.3, que estreia em 25 de abril no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo. A temporada se estende até 7 de julho, aos sábados, domingos e segundas. No palco, Letícia Sabatella ficou encarregada de Antígona, Denise Del Vecchio interpreta Medeia e Miwa Yanagizawa assume Electra em um elenco que ainda traz Fernando Alves Pinto e Marcello H. Na sequencia, Trágica.3 vai para Belo Horizonte, Brasília e Rio de Janeiro. E foi do Rio que o diretor encontrou tempo para falar comigo no intervalo dos ensaios.
Em sua montagem de RockAntygona a contemporaneidade era um elemento muito forte sem, no entanto, descaracterizar o original. De que forma essa característica estará presente em Trágica.3?
A adaptação que fizemos para RockAntygona seguiu muito de perto a estrutura dramática do original do Sófocles. Creonte é o grande papel. Alguns estudiosos brincam que a peça deveria chamar-se Creonte e não Antígona. Sempre que dirijo um espetáculo procuro estabelecer um diálogo entre as artes plásticas, o teatro e a música contemporânea. Chego a eleger alguns artistas para nortear o trabalho. Em RockAntygona, nós mergulhamos no movimento neoconcreto e elegemos o Helio Oiticica como “muso”. Agora, a nossa inspiração vem da obra do artista plástico e iluminador americano James Turrel, os movimentos ligados às artes performáticas e também aos diversos tipos de cânticos e lamentos musicais que vivem aí pelo mundo. Não posso deixar de dizer que as recentes montagens que vi no Brasil dos espetáculos dirigidos por Bob Wilson muito me inspiraram e me instigaram também.
Por que a releitura dos mitos Antígona, Medeia e Electra?
Ih… Isso é paixão do diretor. Remexer e reler clássicos são coisas que sempre me encantaram. Esse projeto seria inicialmente apenas Medeamaterial, espetáculo em que atuei na década de 90 ao lado de Vera Holtz e o do Bando de Teatro Olodum, dirigido por Márcio Meirelles. Mas como o meu interesse agora era exclusivamente no monólogo da Medeia, eu resolvi seguir os passos do Heiner Müller e convidar dois artistas para escreverem dois fragmentos poéticos para compor essa trilogia trágica. Espero não ter sido muito audacioso. São autores contemporâneos que respeito muito e encararam o desafio comigo. Os dramaturgos Caio de Andrade e Francisco Carlos escreveram dois lindos poemas sobre Antígona e Electra, respectivamente.
A centralização nas mulheres fortalece a tragicidade?
A minha intenção na verdade era compor, sem qualquer compromisso, um triângulo feminino com as grandes heroínas trágicas. Com o desenvolvimento do projeto, outras intenções sempre vão aparecendo e até o pensamento inicial acaba se transformando.

Letícia Sabatella, Fernando Alves Pinto e Guilherme Leme: em abril, no CCBB
Antígona dessa vez surge com uma nova abordagem daquela trazida em RockAntygona, seria talvez um lado B – ou o lado A, melhor dizendo – daquela história?
A Antígona que apresentamos agora é mais um recorte poético sobre o mito do que uma adaptação do original. Eu e Caio de Andrade queríamos um novo texto e não algo requentado. Acredito que essa versão é uma consequência da primeira montagem, mas muito mais inspirada. Tenho certeza de que Letícia Sabatella, Denise Del Vecchio e Miwa Yanagizawa trazem o sentimento e as características necessárias para as personagens que interpretam. Acho que não me enganei na escalação do elenco.
Nos últimos anos, você tem se mostrado um dos mais interessantes diretores brasileiros, capaz de exigir um forte trabalho dos atores e belas encenações. Esse lado de encenador foi um caminho natural ou resolveu optar por isso para testar possibilidades?
Realmente eu me tornar um diretor foi consequência de ser um ator curioso e muito “metido” em todas as áreas da montagem teatral. Não tinha como escapar disso. Talvez seja também mais fácil conseguir a cumplicidade do ator quando quem dirige é outro ator. Espero sempre que sim pelo menos.
Você acaba de superar um câncer na garganta e vem esse novo mergulho na tragédia grega. Essa superação interfere de alguma forma no trabalho do diretor?
O projeto de Trágica. 3 foi elaborado antes da descoberta da minha doença. Mas o processo de tratamento e, mais adiante, a cura me ajudaram a ser uma pessoa mais paciente e humilde. Por consequência também um ator e diretor mais consistente.
Letícia Sabatella e Fernando Alves Pinto: ela interpreta Antígona em “Trágica.3″
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