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Clarice Niskier: “tenho só que rezar para não chover”

Em julho de 2006, a atriz carioca Clarice Niskier estreou o monólogo “A Alma Imoral” em um teatro de 50 lugares no Rio de Janeiro. Quase seis anos depois, o espetáculo já seduziu 160 000 espectadores e é uma das principais atrações da Virada Cultural. Na madrugada do domingo (6), às 3h, Clarice enfrentará possivelmente […]

Por Dirceu Alves Jr.
Atualizado em 10 set 2024, 17h12 - Publicado em 2 Maio 2012, 22h20
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Clarice Niskier apresenta o monólogo “A Alma Imoral”: evento faz parte da Virada Cultural (Foto: Elenize Dezgeniski)

Em julho de 2006, a atriz carioca Clarice Niskier estreou o monólogo “A Alma Imoral” em um teatro de 50 lugares no Rio de Janeiro. Quase seis anos depois, o espetáculo já seduziu 160 000 espectadores e é uma das principais atrações da Virada Cultural. Na madrugada do domingo (6), às 3h, Clarice enfrentará possivelmente sua maior plateia. Em um palco externo, no Pátio do Colégio, a atriz – na maior parte do tempo, completamente nua – promete instigar o público ao questionar conceitos morais e filosóficos e mantê-lo atento por 70 minutos.

Qual é a expectativa de apresentar “A Alma Imoral” pela primeira vez ao ar livre?

Acho que será emocionante, um encontro maravilhoso. Topei pensando justamente na adrenalina. Agora minha preocupação é com a temperatura que estará fazendo às três da manhã. Já encenei para 1100 pessoas num cinema em ruínas, em Resende; no Festival da Baixada Fluminense, no teatro do Sesc de Nova Iguaçu, e no Festival Internacional de Teatro de Angra dos Reis (Fita), em uma lona para 1000 pessoas, todos no Estado do Rio. Em Angra, usei microfone de lapela, a bateria ficou nas costas, atrás do cabelo, assim como será na Virada Cultural.  Em todos os lugares, o respeito, a comunicação plena. Minha expectativa é que essa alegria se repita. Tenho só que rezar para não chover.

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+ Tudo sobre a Virada Cultural 2012

Existe alguma estratégia para prender a atenção de um público tão grande e naturalmente mais disperso?

Farei da forma mais intimista possível, vou falar de coração, com todo meu afeto, olhando no olho de cada um, mesmo que este olho esteja distante. Assim, o som da nossa voz atinge o íntimo das pessoas, mesmo que cada pessoa esteja formando uma multidão. Nesse sentindo, o teatro se parece muito com a música, se eu entrar no tom certo, não tem erro, a atenção acontecerá naturalmente.

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Você aparece nua em boa parte da peça. Pensa que pode ter algum tipo de reação – conservadoras ou até maliciosas – do espectador?

Certa vez, numa apresentação popular, assim que tirei o vestido uma galera começou a assobiar e gritar. Esperei. Quando os assobios diminuíram um pouco falei com toda calma: “não há nudez na natureza”. Aconteceu o silencio, foi emocionante. E a peça se desenrolou no mais sincero respeito, inclusive com aplausos depois de cada piada, de cada parábola, de cada momento que eles se emocionavam. Claro que é uma experiência de risco, mas vale a pena, e o respeito tem que ser mútuo. Em cada apresentação tenho que respeitar a plateia profundamente.

Como é lidar com a vaidade, principalmente por estar em um lugar público?

Minha vaidade existe, mas eu gosto de mim pelo conjunto da obra, entende? Um dia, encontrei num restaurante uma amiga. Não nos víamos há anos. Depois de um tempo, ela disse que tinha feito plástica, que eu deveria fazer também. Aí, foi ver a peça e falou: você está ótima, retiro o que disse, não mexe em nada, não.  Eu continuo resistindo bravamente. Faço pilates regularmente e vou começar uma musculação também. Se você olhar para mim por partes, vai indicar mil cirurgias, mas se você olhar como um todo perceberá uma harmonia. Tenho 52 anos, é assim mesmo. Vamos ver até onde eu aguento, é muita pressão, nossa!

O que você acha que o texto de “A Alma Imoral” traz para encantar tanta gente?

Acho que engloba muitos assuntos ao mesmo tempo. No momento da vida em que você estiver, “A Alma Imoral” tem algo a dizer a você. Como vem de um conhecimento muito profundo, de um entendimento sensível sobre as questões humanas, você se sente acolhido por ela. É um mérito do livro do Nilton Bonder, um mérito da direção do Amir Haddad, um mérito do nosso encontro. Nilton acolheu minha experiência budista. Amir acolheu minhas ideias teatrais, e José Maria Braga, meu marido, “acolheu” a produção. Tenho condições plenas para me desenvolver em cena, “apreciar” a plateia num ritual vivo. Estou em desenvolvimento constante. Há seis anos em cartaz, até hoje descubro coisas novas, nessa peça acho que vou aprender eternamente.

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O grande impacto de “A Alma Imoral” foi o de levar ao público temas como transgressão, traição, questionamento das regras estabelecidas?

Digo que li o livro certo na hora certa da minha vida. Estava precisando gritar a todos que escolhi o teatro porque precisava exercer minha liberdade de expressão, minha liberdade de pensamento.  E o próprio tema do livro me deu a coragem necessária para dizer isso da forma mais universal possível.  Os livros têm grande poder. Esse livro é como um Mestre para mim. Foi um encontro real que resultou em outros encontros reais.  Muita coisa deu certo nesse projeto. Quando a ideia de adaptar esse livro surgiu na minha cabeça, estava disposta a levar adiante, fosse qual fosse o resultado. Uma adaptação que levou dois anos, uma paixão, financiada por mim mesma, totalmente no risco.

Você continua desafiada ou até que ponto o dinheiro pesa na hora de abandonar um sucesso?

Sim, ainda me sinto bastante desafiada e isso não vai ter fim.  A manutenção de uma peça é cara, seja ela qual for. Quando um projeto dá certo, também financeiramente, é preciso reinvestir no próprio trabalho constantemente, senão ele desmorona por dentro. Ele não pode ser visto como uma fonte de renda de onde vamos sugar até o fim. Todo ator/produtor já sabe o que é sustentabilidade há séculos!  Nosso maior sonho é nos mantermos em nosso sonho. E o sonho é caro. A felicidade do sucesso financeiro é nos mantermos nele, sem grandes angústias pela sobrevivência nossa de cada dia. Agora, devemos seguir sempre no risco, se ficarmos descansando na clareira, no meio do caminho, um dia você acorda e pergunta, cadê o meu sonho que estava aqui? Estarei na “Alma Imoral” enquanto “A Alma Imoral” estiver em meu sonho. Desculpe o trocadilho: mas todo sonho fica pelo meio se o dinheiro é o fim.

Quais os outros projetos que você tem?

Como recebo ainda muitos convites para “A Alma Imoral”, vou tocando os outros projetos lentamente, mas vou sempre em frente. Como a própria Alma me ensina: marche! Tenho os direitos de três textos: uma peça e dois livros. O roteiro do livro, “Eu Matei Sherazade”, de Joumana Haddad, vou apresentar agora em um projeto da Livraria da Vila, “Navegar É Preciso”. Será minha estreia. Comprei também uma peça linda de Jennifer Tremblay e um livro de Georges Perec.

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Assista ao comentário em vídeo, produzido em 2009, para a peça “A Alma Imoral”:

https://www.youtube.com/watch?v=NmRHXR4GNGg

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