Alessandra Negrini em “Uísque e Vergonha”: uma garota mal-assombrada
Dirigida por Nelson Baskerville, a atriz acerta ao protagonizar adaptação de Michelle Ferreira para o romance de Juliana Frank

Atriz de personalidade contemporânea, Alessandra Negrini encontrou na tragicomédia Uísque e Vergonha o papel certo, de atmosfera sombria e irônica, para uma investida teatral. A peça, adaptação de Michelle Ferreira para o romance de Juliana Frank, acompanha a trajetória de Charlottiê da infância ao começo da vida adulta. Trata-se de uma garota assombrada por traumas, desde os mais banais, como a repulsa por comer peixe nas refeições, até a convivência precoce com tragédias como o suicídio do primeiro namorado (o ator Gui Calzavara).
Charlottiê nunca foi santa. Aprontou muito na escola, duelou incansavelmente com a mãe alcoólatra (interpretada por Ester Laccava), amargou a ausência do pai e sempre demonstrou uma imaginação acima da média. Sua melhor amiga e confidente, para se ter uma ideia, era a boneca fumante Ilália (representada por Érika Puga). Os anos se passaram sem trégua para a protagonista, que chegou a ser expulsa de casa e driblou a dureza das ruas.
Para atingir a vida adulta com um mínimo de sanidade, ela precisava decifrar o conselho de uma tia morta (também vivida por Ester) de que, para ser minimamente feliz, deveria dar pérolas aos porcos. Assim, enterraria seus fantasmas e seguiria em frente.
Sob a direção de Nelson Baskerville, Uísque e Vergonha é uma montagem incomum, capaz de amedrontar os espectadores por dispensar firulas na abordagem crua e surrealista, flertando o tempo inteiro com o teatro do absurdo. Baskerville emoldurou o espetáculo com uma roupagem coloquial e urbana, pronta para aproximá-lo da plateia jovem e deixar corados os pudicos que se assustam com palavrões ou com uma relatos pungentes sobre sexo e drogas.
Em meio a tanta experimentação, é admirável o rendimento do elenco. Érika é destaque na difícil personificação da boneca, enquanto Ester aproveita muito bem sua técnica ao transitar entre a mãe, a tia e a professora. Os atores Gui Calzavara e Carcarah alcançam respostas em participações pontuais. O surpreendente, porém, é perceber Alessandra à vontade no teatro, convincente nas várias fases da personagem e portando-se com naturalidade e empatia, mesmo em um universo repleto de estranhezas. Sinal de que, como atriz, fez a escolha certa (80min). 18 anos. Estreou em 11/5/2019.
+ Teatro Novo. Rua Domingos de Morais, 348, Vila Mariana. Segunda, 21h; sexta e sábado, 21h30; domingo, 19h. R$ 50,00 (seg. e sex.) e R$ 60,00 (sáb. e dom.). Até 7 de julho.