A alma de Fellini preservada em “Il Viaggio”
Logo depois de rodar o longa-metragem “Julieta dos Espíritos”, em 1965, o cineasta italiano Federico Fellini (1920-1993) escreveu o roteiro “Il Viaggio di G. Mastorna”. Em razão da intensa produtividade, o diretor engavetou essa bela reflexão sobre a vida e a morte e nunca a transformou as palavras em imagens. Adaptado por Marcelo Rubens Paiva, […]
Logo depois de rodar o longa-metragem “Julieta dos Espíritos”, em 1965, o cineasta italiano Federico Fellini (1920-1993) escreveu o roteiro “Il Viaggio di G. Mastorna”. Em razão da intensa produtividade, o diretor engavetou essa bela reflexão sobre a vida e a morte e nunca a transformou as palavras em imagens. Adaptado por Marcelo Rubens Paiva, o texto inédito nas telas ganha os palcos e supera quase todas as dificuldades da ambiciosa proposta. Em cartaz no Teatro do Sesc Bom Retiro, a montagem batizada de “Il Viaggio” é uma bem-sucedida encenação que mantém (sem copiar) a alma felliniana.
Durante uma excursão de sua orquestra, o violoncelista Mastorna (interpretado por Esio Magalhães) decidiu encontrar uma amante e perdeu o trem que levaria os colegas para o próximo destino. Atrasado, ele tomou um avião, que despensa sobre uma cidade tomada pela estranheza e cheia de tipos esquisitos. No limite da vida e da morte, o protagonista tenta alucinadamente retomar o contato com a realidade e, sem sucesso, cruza com personagens que o conduzem a uma viagem de sonho e confundem ainda mais sua cabeça.
Entre a fábula e a comédia, o diretor Pedro Granato alcança um belo resultado no apelo visual e na difícil condução dos atores, que trilham caminhos longe do realismo sem cair na caricatura. Granato – que já tinha abusado de uma mão pesada nas montagens de “Navalha na Carne” (2008) e “Criminal” (2010) – agora reverteu os exageros ao seu favor. Pôde investir à vontade na fantasia e nos recursos cênicos e, para esse equilíbrio, teve à disposição intérpretes acostumados à linguagem do clown e circense.
Grande destaque, Esio Magalhães mais uma vez explora a versatilidade ao criar um tipo atônito e envolvente. A presença forte de Bete Dorgam ilumina a montagem e reforça o espírito felliniano com pitadas de ironia, muito bem conduzidas principalmente nas cenas divididas com a atriz Helena Cerello e o ator Paulo Federal. Em participações mais pontuais, Ed Moraes reafirma potencial para extrair efeitos de diferentes caracterizações. Paula Flaiban, por sua vez, arrisca-se em uma trilha mais exagerada e irregular, tropeçando na cena em que tenta conduzir o auditório, mas que ainda faz algum sentido dentro das opções de Granato.