“Camille e Rodin” é para todos”, diz o dramaturgo Franz Keppler
Ele tem nome de dramaturgo europeu, mas é paulistano sim, senhor. Franz Keppler, de 48 anos, enfrentou o desafio de levar aos palcos a história de amor e rivalidade entre dois gênios da arte, os franceses Auguste Rodin e Camille Claudel. Com o drama “Camille e Rodin”, que pode ser visto no Grande Auditório do […]
Ele tem nome de dramaturgo europeu, mas é paulistano sim, senhor. Franz Keppler, de 48 anos, enfrentou o desafio de levar aos palcos a história de amor e rivalidade entre dois gênios da arte, os franceses Auguste Rodin e Camille Claudel. Com o drama “Camille e Rodin”, que pode ser visto no Grande Auditório do Masp, ele firma-se como um dos principais autores teatrais da atualidade. Com cinco peças montadas, Keppler estreia mais duas em breve. Protagonizado por Otávio Martins, o monólogo “Córtex” entra em cartaz em setembro. Para janeiro, está prometida a comédia “Divórcio”, sua primeira investida no gênero.
A vontade de levar Auguste Rodin e Camille Claudel para o palco veio mais por causa da personalidade de cada um ou da importância artística deles?
Na verdade, não foi uma ideia minha. O projeto começou com a atriz Melissa Vettore, que, numa conversa com o ator Leopoldo Pacheco nos estúdios da Rede Globo, contou de sua vontade de interpretar isso no palco. O Leopoldo se apaixonou na hora e eles me convidaram para escrever. Já conhecia suas obras e um pouco da trágica história que os envolveu. Pra mim, mergulhar neste universo de amor e arte foi um desafio irrecusável.
Como você, enquanto jornalista e dramaturgo, encarou a responsabilidade de recriar uma história real?
Sem dúvida, a responsabilidade é muito maior. Por isso, eu e a Melissa fizemos uma pesquisa imensa. Lemos muitos livros, documentos, cartas, críticas da época, cruzamos dados e informações, o que foi bem complicado porque alguns livros diziam uma coisa, outros livros diziam outra. Um exemplo é a gravidez de Camille. Encontrei tanto a informação de que o aborto foi natural como a informação de que Camille abortou propositadamente. Na peça, deixo isso em aberto.
Você é daqueles autores que vai criando e recriando o texto, inclusive durante os ensaios?
Entre o dia em que recebi o convite até a entrega da primeira versão foram nove meses. Fizemos uma primeira leitura, depois dela fiz algumas alterações antes de entregar a versão final. No caso específico de “Camille e Rodin”, eu entreguei o texto e só assisti a um ensaio quando a peça estava levantada. Depois só vi a estreia. Claro que tudo depende do processo estabelecido. Em “Frames”, encenado em 2009 com direção do Flávio Faustinoni, eu acompanhei todos os ensaios. Já havia a primeira versão do texto, com as três histórias curtas que compõem a peça, mas as cenas de ligação entre elas foram criadas durante os ensaios. No caso de “Córtex”, que estreia em setembro, o objetivo também é o de criar, recriar, construir e descontruir durante os ensaios.
O principal mérito do texto, em minha opinião, é priorizar a relação pessoal deles e como a arte interferiu nessa história, sem precisar cair na discussão teórica ou explicativa em relação aos artistas. Essa foi sua intenção?
Foi minha primeira peça biográfica e eu tinha dúvidas em relação a isso, mas o Elias Andreato me ajudou muito nesta questão. Ele já interpretou vários personagens biográficos, o que o fez compreender muito bem que não vale a pena cair na discussão teórica ou explicativa. Mas desde o princípio, eu quis contar a história de amor e arte que os uniu do ponto de vista de cada um, sem tecer julgamentos. É muito bacana ver como a plateia embarca neste jogo, ora ficando ao lado de Camille, ora compreendendo as razões de Rodin. Quando ouço isso, sinto que atingi o meu objetivo inicial.
Até que ponto o público precisa saber quem foram Rodin e Camille para embarcar na história?
Eu vou citar um caso que aconteceu em um dos dias do espetáculo. Em frente ao Masp há muitos garotos com skates. Um deles foi até a bilheteria perguntar que peça era aquela, quem era Camille e quem era Rodin. Ele realmente parecia não saber nada sobre a história dos dois. Depois da explicação da produtora, ele se interessou, comprou o ingresso e foi um dos últimos a sair do teatro, de tanto que chorava. Outras pessoas me disseram depois de assistir que não conheciam a história, mas que através da peça foi possível compreender exatamente o que aconteceu e o que eles significaram para a arte. Também já ouvi de pessoas que não sabiam nada sobre eles e que antes de ir ao teatro fizeram uma breve pesquisa na internet para poder aproveitar melhor o espetáculo. Diante disso, fica claro pra mim que a história de “Camille e Rodin” é para todos, pra quem os conhece e pra quem nunca ouviu falar deles.
Por outro lado, deve haver aqueles que já são fascinados por Camille e Rodin, não?
Obviamente. Quem tem um grande conhecimento sobre o assunto consegue sacar coisas que outros não enxergarão da mesma forma. No dia da estreia, havia um senhor sentado atrás de mim que associou o momento em que Camille acusa Rodin de ter destruído a sua vida ao artigo “J’accuse”, de Émile Zola, publicado naquela época. E ele estava absolutamente certo. Mas se isso muda alguma coisa para quem não conhece o artigo? Não.
Você um autor de temas diversificados. Como fica a sua preocupação – se é que ela existe – em estabelecer uma assinatura, uma marca que interligue sua dramaturgia?
Mesmo com essa diversificação, eu tenho alguns assuntos recorrentes que me tocam e que de alguma forma estão presentes em todos os meus trabalhos, como a solidão, a morte e o amor. Talvez isso seja uma marca, não sei, nunca parei para pensar nisso.
Essa multiplicidade de temas pode ser uma herança sua do jornalismo?
Talvez seja mesmo do jornalismo. E também da minha própria inquietude em relação à vida, ao fato de estar sempre buscando coisas novas ou ainda do meu próprio momento de vida. Eu escrevi “Nunca Ninguém Me Disse eu Te Amo” no momento em que decidir abandonar uma carreira e reconstruir uma vida, e tem muito disso na peça, do que eu vi e vivi. “Depois de Tudo” surgiu depois do famoso buraco do metrô da Estação Pinheiros. Quando eu li uma matéria falando sobre as pessoas que teriam alguns minutos pra retirar suas coisas de casa, achei que estava diante de uma história que merecia ser contada. Talvez essa peça foi a mais influenciada pela minha visão de jornalista. “Frames” foi escrita num momento em que todos aqueles temas tratados na peça estavam pulsando em mim e “Camille e Rodin”, por mais que seja uma história do final do século XIX e início do XX, é extremamente contemporânea. Vamos pensar em quantos artistas hoje são incompreendidos, morrem na miséria, não são reconhecidos em vida ou ainda, no caso específico do teatro, quantos não realizam trabalhos belíssimos, recebem ótimas críticas, prêmios, mas sofrem com as salas vazias?