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35 anos da morte do futebol-arte

As lembranças da seleção de Telê Santana e o trauma da tragédia do Sarriá, o Maracanazzo da geração de torcedores com mais de 40 anos

Por Sérgio Luz Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 5 jul 2017, 11h40 - Publicado em 5 jul 2017, 10h36

Duas maldições pairam sobre as pessoas que nasceram entre o final dos anos 60 e início dos 70. Chegamos tarde demais para curtir o auge do período clássico do rock, com Beatles, Stones, The Who, Hendrix… Nos gramados, enquanto Pelé e companhia assombravam o mundo na campanha do o tri no México, alguns de nós usávamos fraldas, outros sequer haviam nascido. Na música, a consolação vinha dos velhos LPs. Mas, no futebol, ficamos chupando o dedo por um bom tempo. Quando começamos a entender um pouco a arte que rolava nos gramados, vieram os traumáticos Mundiais de 74 e 78. No primeiro deles, levamos um vareio da Laranja Mecânica holandesa. No segundo, as lembranças são tão ruins quanto as da Alemanha: o zagueiro Amaral salvando uma bola em cima da linha contra a Espanha, as placas de grama que se soltavam do campo de Mar Del Planta, o sufoco para passar à segunda fase, o empate sem gols contra os donos da casa num jogo ruim de doer e a sensação de traição com a goleada dos argentinos contra os peruanos que nos tirou da final.  A mítica camisa canarinho ficou meio desbotada depois do período de futebol científico de Claudio Coutinho e o título de campeão moral da Copa de 78 (fora a palhaçada dos peruanos, terminamos o torneio invictos e vencemos a disputa do terceiro lugar ganhando de virada da Itália, com direito a um gol do lateral Nelinho, cujo chute desafiou as leis da física, tamanha a curva que a bola fez antes de cair nas redes).

Eis que uma geração de craques ganha espaço após esses fiascos com a contratação do técnico Telê Santana. Cerezo, Sócrates e outros jogadores começaram a formar a espinha dorsal de uma equipe completamente diferente daquele da época de Coutinho. Voltando à música, foi como o Genesis depois da chegada de Steve Hackett e Phil Collins: o negócio sem brilho ganhou um colorido especial e ficou pronto para voos mais altos (sim, jovens, Phil Collins, aquele senhor das baladas de FM… Ele não cantava no início da carreira e era um puta baterista). A primeira demonstração de força da nova seleção ocorreu durante o Mundialito de 1980, um campeonato que reuniu as melhores seleções do planeta no Uruguai. O Brasil de Telê empatou com a Argentina e, na sequência, goleou por 4 a 1 a Alemanha. Acabou perdendo a final para a celeste, mas o que importava era o futebol encantador que começava a despontar.

Na preparação para o Mundial de 1982 na Espanha, o escrete voltou a vencer por duas vezes a mesma Alemanha, que era a campeã europeia do momento e tinha uma das suas melhores gerações de jogadores, incluindo Breitner, “Hansi” Muller, Schuster e Rummenigge (podem acreditar, era um time muito mais assustador do que o dos 7 a 1). Na partida mais memorável contra os germânicos nesse período, realizada em 1981, ganhamos de virada em Stuttgart, com gols de Cerezo e Júnior “Capacete”. Os adversários perderam um pênalti perto do final da peleja. Ou melhor, perderam dois pênaltis. Breitner cobrou uma vez, Waldir Peres defendeu. O juiz mandou voltar a cobrança, alegando que o goleiro havia se mexido. Waldir encarou Breitner de novo e fez outro milagre. Após o jogo, foi aplaudido de pé por clientes alemães do restaurante do hotel da concentração brasileira quando desceu para jantar no local. O confronto fazia parte de uma mini-excursão brasileira à Europa. Na primeira partida, 2 a 0 sobre a Inglaterra, marcando o primeiro triunfo sul-americano no lendário estádio de Wembley na história. Na sequência, vitória de 4 a 1 sobre a França, outro esquadrão temível daqueles tempos.

A esta altura do campeonato,  a euforia começou a ficar quase incontrolável. A garotada consumia tudo a respeito de seus heróis, que honravam nos campos as nossas melhores tradições futebolísticas. Era a pátria de chuteiras, das capas da revista Placar com perfis de Zico e Sócrates, das coleções de figurinhas de jogadores que vinham dentro do chiclete Ping-Pong. Júnior entrou nas paradas de sucesso gravando um sambinha para lá de safado, Voa Canarinho. Teve até clipe no Fantático. Moraes Moreira pegou carona na onda, compondo a marchinha ufanística Sangue, Suingue e Cintura, que citava na letra Zico, Sócrates e Telê, antes de terminar com os seguintes versos: “De velho, moço e criança/Unindo os corações/E assim de novo do mundo/Seremos os campeões”). Às vésperas do início do torneio na Espanha, as ruas do país ganharam uma quantidade recorde de bandeirinhas e de pinturas verde-amarelas.

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Na fase final da preparação, o que parecia ótimo ficou ainda melhor: Falcão, que vivia o auge de sua carreira na Itália (era o rei de Roma), juntou-se ao time, completando o meio-campo mágico ao lado de Zico, Sócrates e Cerezo. Estávamos prontos para o tetra! Chega a estreia, enfim. Depois de um susto no primeiro tempo, quando Waldir Peres engoliu um frangaço do meio da rua, em um chute meio despretensioso de um soviético, foi só alegria. Vitória de virada contra a URSS, goleadas sobre Escócia e Nova Zelândia. No primeiro jogo da segunda fase, atropelamos a Argentina por 3 a 1. Os hermanos tinham mantido a base vitoriosa de 78, reforçada por um jovem — Maradona. A Itália, último obstáculo antes da semifinal, assustava bem menos. Escapou por pouco de ser eliminada da primeira fase por Camarões e uma de suas principais estrelas, o atacante Paolo Rossi, não havia feito um gol sequer no torneio até então.

E então veio o desastre do Sarriá em 5 de julho de 1982, com o roteiro cruel que, mais de três décadas depois, continua vivo na memória de todos os torcedores da minha geração. Saímos perdendo, mas o mesmo já havia ocorrido contra URSS e Escócia. Bola para frente. Empate com golaço de Sócrates, quase sem ângulo, enfiando a pelota no justo espaço entre o pé esquerdo de Dino Zoff e a trave. Rossi, maledeto, volta a marcar e coloca os carcamanos novamente em vantagem. Bola para frente. Tirombaço de Falcão (“Chupa, Zoff!”, juro que o Rei de Roma mandou essa na comemoração): 2 a 2. Jogamos melhor, a virada parece uma questão de tempo… Aí o juiz dá um escanteio a favor dos italianos, numa bola vadia. Bate e rebate depois da cobrança, Rossi aparece livre e dá o chute mortal. Júnior levanta o braço, de forma patética, pedindo impedimento. O time tenta reagir. Quase no minuto final, Oscar cabeceia forte, Zoff segura milagrosamente, alguém pede gol achando que a bola havia ultrapassado a linha. Fim. Eliminados.

Choramos até hoje tentando achar alguma explicação para o fracasso inesperado. Os italianos, que tinham um excelente time, ganharam moral e conquistaram a Copa de 82. Que cazzo, o  sobrenatural de almeida tinha que aparecer justo naquele 5 de julho? Mais do que gênios da bola, aquela turma tinha estilo e personalidade. Sócrates não escondia que fumava e bebia (e como ele bebia!). Mas resolveu virar atleta de verdade pela única vez na carreira em busca do sonho de vencer o Mundial da Espanha. Abandonou o cigarro e levou a sério a preparação física. Falcão conquistara a Europa em uma época onde não era comum boleiros brasileiros vencerem lá fora. Tínhamos tudo para ganhar. Perdemos. A ressaca continua, 35 anos depois.  Nem o Tetra e o Penta amenizaram a dor pela derrota do Sarriá, o Maracanazzo da geração de torcedores brasileiros com mais de 40 anos. O escrete de 82 entrou, ao lado da Holanda de 74 e da Hungria de 54, na galeria de seleções memoráveis que tombaram no meio caminho. Não serve de consolo. Merecíamos a glória.

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Rossi, maledeto.

 

 

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