Como ‘Emilia Pérez’ foi de aclamado a cancelado na campanha pelo Oscar
A atriz Karla Sofía Gascón mergulhou em uma polêmica sem precedentes na disputa pelo prêmio — e pode arruinar as chances do filme

Foi tudo por água abaixo: Emilia Pérez, musical do francês Jacques Audiard, desperdiçou todo o favoritismo na corrida pelo Oscar com uma campanha catastrófica.
O potencial estava lá. Foi o filme mais indicado à maior premiação do cinema deste ano, além de ter sido o grande vencedor no Globo de Ouro (incluindo de melhor filme de comédia ou musical). Teve reconhecimento logo no começo de sua trajetória, ao ganhar o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes de 2024.
No entanto, houve uma sequência de passos que atrapalhou o trajeto à estatueta da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. O filme deixou de ser cotado para as principais categorias e entrou em uma crise sem precedentes, colocando em xeque qualquer reconhecimento.
O problema começou com o descontentamento do público latino pelo fato do filme retratar o México com um diretor francês, um set de gravação em Paris e um elenco formado principalmente por atores europeus e americanos. Pessoas trans também ficaram insatisfeitas com o retrato da protagonista transgênero.
O longa acompanha Manitas (Karla Sofía Gascón), um líder de cartel mexicano que contrata a advogada Rita (Zoe Saldaña) para ajudá-lo na transição de gênero e se tornar Emilia Pérez. Além dos cartéis e do idioma espanhol, não há outros elementos que podem ser associados ao México.
A recepção do público latino não impediu a obra de ganhar o Globo de Ouro. O desastre começou a acontecer mesmo há duas semanas atrás, quando o diretor Jacques Audiard e a atriz Karla Sofía Gascón vieram ao Brasil divulgar o projeto.
Em passagem por São Paulo, Karla realizou uma série de entrevistas para veículos de imprensa. Em uma delas, disse que “há pessoas que trabalham com Fernanda Torres que falam mal de mim e de Emilia Pérez. Isso fala mais deles e do filme deles do que do meu”.

Quando foi ao ar nas redes sociais, a fala gerou um estrondo, com internautas acusando-a de violar as regras do Oscar (o regulamento diz que nenhuma pessoa envolvida com qualquer filme elegível pode tentar passar uma imagem negativa ou depreciativa sobre algum concorrente) e pedindo sua desclassificação. Uma fonte ligada à Academia disse, à revista Rolling Stone, que não houve violação.
A coisa piorou ainda mais quando vieram à tona uma série de comentários racistas e xenofóbicos da atriz espanhola no X (antigo Twitter).
Em uma publicação, escrita em espanhol, Karla criticou a cerimônia do Oscar de 2021: “Os #Oscars estão cada vez mais parecendo uma cerimônia de premiação de cinema independente e vingativa, eu não sabia se estava assistindo a um festival afro-coreano, uma manifestação do Black Lives Matter ou ao 8 de Março”, escreveu, na época.
Em outro post, ela falou sobre o caso de de George Floyd, homem negro que morreu em 2020 após uma abordagem da polícia em Minneapolis e virou símbolo da luta antirracista. “Eu realmente acredito que poucos se importaram com George Floyd, um golpista viciado em drogas”, disse.
Com a repercussão, Karla desativou seu perfil no X e publicou um longo pronunciamento no Instagram. “Não foi bonito como me trataram, acreditando na história que pessoas cheias de ódio tentaram vender para vocês. Nem eu nem minha família somos racistas, jamais, muito pelo contrário, e ninguém nos apoiou”, afirmou.
Em entrevista ao site americano Deadline, publicada nesta quarta-feira (5), Audiard opinou sobre as atitudes de Karla. “Não falei com ela e não quero”, contou. “Ela está em uma abordagem autodestrutiva na qual não posso interferir e realmente não entendo por que ela continua. Por que ela está se machucando? Por quê? Não entendo, e o que também não entendo sobre isso é por que ela está prejudicando pessoas que eram muito próximas dela.”
Até mesmo sua colega de elenco, Zoe Saldaña, comentou sobre as declarações. “Isso me deixa muito triste porque não apoio [falas preconceituosas] e não tenho nenhuma tolerância com qualquer retórica negativa em relação às pessoas de qualquer grupo”, disse, em uma exibição do longa em Londres.
Para completar esta trajetória desastrosa, a Netflix, que é produtora do filme, decidiu no início desta semana romper com Karla, em uma tentativa de salvar a campanha. A plataforma não vai custear a ida da atriz a eventos de divulgação e à própria cerimônia do Oscar. Se ela decidir participar, deve arcar por conta própria.
Em meio a uma polêmica tão grande, a expectativa agora é a de investir em uma carreira na Europa, onde as problemáticas apontadas não são vistas de modo tão negativo.