Queria que as palavras certas chegassem até você
A escritora e palestrante Bruna Lauer diz que escrevia para tirar do peito tudo aquilo que me atormentava: medos, angústias, inseguranças
O tema dessa coluna é tão sublime: felicidade. E eu me sinto tão pequena. A escrita surgiu para mim como um xarope. Escrevia para tirar do peito tudo aquilo que me atormentava: medos, angústias, inseguranças. Quando comecei a compartilhar meus escritos, descobri que estes sentimentos não eram só meus. Não pelos mesmos motivos, apenas porque a vida acontece com todos e ninguém está imune.
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Continuei a escrever como um processo de limpeza. As palavras me ajudavam a organizar as ideias e quantas vezes não escrevia exatamente aquilo que precisava ler. Meu livro, Uma Oitava Acima, chegava até mim praticamente pronto em um processo que se deu em alguns dias salpicados ao longo de 2021.
Eu apenas digitava as palavras na tela do computador. Escrevia por mim e para mim.
Escrever para os outros é um lugar de extremo desconforto. Eu gostaria muito de poder usar este espaço para te contar exatamente o que te falta para sentir-se pleno. Queria poder te dar receitas do tipo “basta fazer isso”, eliminando o risco do seu caminho e te transmitindo segurança e conforto. Mas só consigo te contar que estamos no mesmo barco.
Vivi coisa de gente grande: uma infecção hospitalar, o rompimento de uma relação longa, um câncer de mama, o câncer da minha mãe e seu falecimento e uma pandemia. Ao longo do caminho fui me encontrando comigo mesma. E a cada descoberta, mudava. Fui morar no interior, encarei uma transição de carreira, casei de novo, curei minhas relações. E me descobri melhor na saída.
Voltar o olhar para as emoções que me ocupavam e buscar formas de lidar com elas foi um processo muito bonito. Descobri que dor poderia virar arte e colorir o mundo. Ao longo destes seis intensos anos, me joguei na vida. E veja a ironia: me entreguei mais do que consigo hoje, pois o risco maior, minha existência, estava posto e eu não queria perder nem um segundo sequer.
Mas o passado ficou lá longe, se parece com uma casa que se torna apenas um pontinho alaranjado na imensidão verde do horizonte. Quem caminha já é outra pessoa, em outro lugar, com desafios tão menores e, ao mesmo tempo, que demandam tão mais de mim. De tempos em tempos, me apequeno.
Tenho saúde e continuarei vivendo para me ver errar, me arrepender, me iludir, ter que refazer a rota e recomeçar. E como esse risco custa.
O medo de pensarem que o que digo é bobo demais, simples demais, ou pior, desnecessário. O medo que paralisa e me faz me sentar em frente à folha em branco e, com “felicidade” em mente, não conseguir escrever uma só palavra.
Quando vejo um tema bonito como esse, queria poder dizer: vamos chegar lá! O maior desejo era o de resolver. Retirar o sofrimento com a mão. Invadir a sua mente e decretar que a vida é tão maior e que não deveríamos perder tempo com tão pouco. Expressar meu amor por você. Mas a vida não é de se resolver, é de viver. E de sentir absolutamente tudo, pois invariavelmente todas as emoções irão aparecer, aquelas que te levarão para cima, mas também as que te apresentarão o fundo do poço.
Ciclicamente, até o fim de nossas vidas.
Por isso, sigo buscando amor, consciência, coragem, transformação e beleza. Mas, para momentos difíceis, sei que existem vulnerabilidade, partilha, união, cuidado e acolhimento. Para mim. E para você.
Bruna Lauer (@brulauer) é escritora e palestrante. Após passar por duas doenças graves, uma bactéria na coluna e um câncer de mama, mudou radicalmente sua vida. Ela escreveu o livro Uma Oitava Acima, onde narra com detalhes seu processo de transformação. Atualmente, compartilha suas vivências no campo, levando uma vida mais saudável e harmônica.
A curadoria dos autores convidados para esta seção é feita por Helena Galante. Para sugerir um tema ou autor, escreva para hgalante@abril.com.br.
Publicado em VEJA São Paulo de 7 de junho de 2023, edição nº 2843.