Estão todos despedidos: tsunami tecnológico e os velhos (e novos) empregos
O psicanalista e psiquiatra Dr. Jorge Forbes reflete sobre o avanço da inteligência artificial e a extinção de antigas funções
Você vai perder seu emprego. Essa frase ameaça muitas pessoas atualmente. Não estou falando da terrível, mas que vai passar, pandemia. falo da “destruição criativa”, nomeada por Schumpeter, movimento que realça como o novo destrói o anterior. Vários trabalhos estão desaparecendo. Radiologista, contador, caixa de supermercado, estivador, ascensorista, cobrador…
A inteligência artificial, principal fator do tsunami tecnológico que nos acomete, está substituindo, com ganho de precisão e rapidez, todas as tarefas humanas capazes de serem transformadas em cifras e algoritmos. Assim é que a evolução por milhões de anos da nossa capacidade cerebral de memória foi rapidamente ultrapassada por um simples tablet. Será que está tudo perdido? Longe disso!
Falemos um pouco da inteligência artificial, que se divide entre forte e fraca. Essa diferença não diz respeito à quantidade de dados que pode processar. A inteligência artificial que porá um homem em Marte processa um número imenso de dados, no entanto é catalogada como fraca. A inteligência artificial forte ainda não existe; será aquela que tiver capacidade de pensar a si mesma, característica exclusiva humana. Não acredito que o progresso científico criará uma inteligência artificial forte. Para isso, teria de ser possível cifrar a essência humana. Essa, no entanto, é vazia. No homem, a experiência da vida precede a essência, enquanto nos animais dá-se o contrário, a essência da vida precede a existência.
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Zebras, tartarugas e abelhas sabem como existir desde o seu nascimento. É uma vantagem e é também uma desvantagem. Sabem o que fazer, mas não sabem mudar aquilo que fazem. O formato de uma colmeia será sempre idêntico. Não surgiu nem surgirá uma abelha Niemeyer que faça uma curva no hexágono perfeito de sua casa. Já nós, humanos, estamos sempre buscando a diferença no que fazemos: a criatividade está em nosso cerne. Não me parecer possível transformar essa essência em algoritmo, é intangível.
Retomo as consequências sobre o trabalho. Várias tarefas deixarão de existir, mas tantas outras, possivelmente em mesmo ou maior número, serão criadas, contra-dizendo a primeira impressão. O grande problema é a educação. Temos de correr na criação de processos educacionais que evitem uma epidemia de analfabetismo digital. Estamos atrasados. Abandonamos um planeta e uma forma de viver, que chamaria de TerraUm, e ainda estamos engatinhando nas novas dores e felicidades de TerraDois. Temos pressa.
Dado os riscos, esse novo mundo não tem garantia. Pode ser amedrontador para muitos. Mas pode ser fonte de felicidade para outros, que têm o entusiasmo de assumir a direção da sua vida. Aquele mundo completo, hierárquico, linear não existe mais. Vivemos hoje o inapreensível. Estamos fadados a lidar com uma interrogação sobre nossas escolhas. Temos de nos responsabilizar por elas, assumindo a ética do artista. Van Gogh inventou um girassol que não existia e colocou-o no mundo. Da mesma forma, respeitando diferenças de talentos, podemos olhar, inventar soluções, e colocá-las no mundo. O movimento de cada um haverá de ser de invenção e responsabilidade — e esse é um momento de felicidade. Fugidio, é verdade, mas que nos incita a continuar.
Publicado em VEJA SÃO PAULO de 19 de agosto de 2020, edição nº 2700.