A busca por silêncio interior se faz necessária em tempos barulhentos
A jornalista Petria Chaves fala sobre entrar em contato com nossa própria voz, nutridora de um alimento essencial
Vivemos em tempos barulhentos. Hoje em dia somos levados a ter opinião sobre tudo. Mesmo sem um repertório profundo, principalmente no embalo das redes sociais. Falar, acredito que sabemos bem. É o que mais se treina hoje em dia. Mas será que algum dia soubemos ouvir de verdade?
+As palavras determinam a nossa felicidade
Sou jornalista, escritora e uma buscadora. Buscadora de viver com mais plenitude no mundo, no meu corpo. Confesso que essa gritaria me incomoda bastante. Tenho certeza de que é assim com você. Neste exato instante, dezenas de mensagens de WhatsApp, avisos de reportagens, notificações de novos vídeos no YouTube, as curtidas nas redes sociais que recebemos. Me pergunto como conseguir focar em algo se a realidade a todo momento me empurra para a distração?
Não à toa, temos índices de depressão, ansiedade e pânico altíssimos hoje em dia. Estamos perdendo contato com a nossa própria voz, nutridora de um alimento essencial.
Como jornalista, fui atrás de mapear por que estamos tão barulhentos e por que se faz tão necessária a busca por silêncio interior. Como pesquisadora de caminhos para se viver bem, conversei com psiquiatras como o doutor Frederico Felix, que me fizeram refletir profundamente. Segundo o doutor Felix, o medo do silêncio parece ser o espírito da nossa época. Do ponto de vista científico, o centro de recompensa que é ativado com o uso de entorpecentes é o mesmo centro que é ativado quando recebemos uma curtida nas redes sociais. Recebemos uma curtida ou grande repercussão de algo que falamos ali nas redes e logo precisamos de mais. Viciamos nisso. Viciamos também nesse modelo de linguagem. Narcisismo, falta de verdadeira escuta.
Como mãe e mulher, senti uma necessidade de percorrer um caminho para buscar mais autenticidade. Mergulhei num percurso para ouvir minha voz interior e descobrir se era possível traçar um caminho diferente do que a maioria de nós está vivendo e padecendo.
Fui atrás de educadores e psiquiatras. Empresários e pais de santo. Comunicadores e neurocientistas. Filósofos. Comecei visitando nossa infância e descobrindo sobre o narcisismo. Busquei a psicanálise para entender como criar o terreno da escuta. Cheguei à importância do silêncio nas nossas vidas.
Meditei, pratiquei ioga, corri, escrevi demais. Conto sobre minhas descobertas e as de meus entrevistados. Quais caminhos podem nos levar para uma concentração maior trazendo mais presença e vontade de viver? Quais benefícios isso pode nos trazer? Percebi que são treinos diários, mas para toda a vida, que constroem uma vida mais presente e autêntica. Um treino que não acaba nunca.
A vida é muito curta. Não temos tempo a perder. Mas vivemos um momento ímpar. Podemos aprender com nosso corpo e com a nossa escuta a sorver de uma outra qualidade de vida, uma outra experiência humana. Menos adoecida e menos narcisista. Para isso, precisamos estar dispostos a criar bolsões de atenção. Menos opinião e mais reflexão. Sobre nós e o outro.
Nosso grande desafio é desenvolver a escutatória, dizia o saudoso professor Rubem Alves.
Petria Chaves (@petriachaves) é jornalista e âncora da Rádio CBN. Do mergulho na busca para ouvir sua voz interior nasceu o livro Escute Teu Silêncio: como a Arte da Escuta Nos Torna Melhores Profissionais, Pais Mais Presentes e Pessoas Mais Interessantes, que acaba de ser lançado pelo selo Academia, da Editora Planeta.
A curadoria dos autores convidados para esta seção é feita por Helena Galante. Para sugerir um tema ou autor, escreva para hgalante@abril.com.br.
Publicado em VEJA São Paulo de 5 de abril de 2023, edição nº 2835
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