Não é só pelos US$ 0,30
Quando eu era criança – e isso já faz um bom tempo -, lembro-me de ir ao mercado com meus pais levando garrafas vazias de cerveja para poder comprar outras cheias. Quem não tinha o vasilhame ou era obrigado a pagar mais por ele ou simplesmente não podia comprar. Com o tempo, esse hábito praticamente […]
Quando eu era criança – e isso já faz um bom tempo -, lembro-me de ir ao mercado com meus pais levando garrafas vazias de cerveja para poder comprar outras cheias. Quem não tinha o vasilhame ou era obrigado a pagar mais por ele ou simplesmente não podia comprar. Com o tempo, esse hábito praticamente desapareceu no mercado de cervejas – ainda o vejo com pouca frequência no interior paulista, quando compro tubaínas em garrafa de vidro.
Esta semana, revivi a cena aqui em Cambridge (EUA), ao retornar com vasilhames vazios ao local em que comprei um sixpack (caixa de papelão com seis garrafas long neck) de Dogfish Head 60 Minute IPA, uma American India Pale Ale. Não esperava balões caindo do teto e um parabéns efusivo pela atitude ecologicamente adequada, mas fiquei surpreso com a hesitação do funcionário. Ele não se recusou a receber as garrafas, mas parecia não saber o que fazer com elas. Por fim, colocou-as em uma caixa no canto da loja e me pagou 30 centavos de dólar – na verdade, devolveu um depósito de mesmo valor que eu havia feito no ato da compra. Explicou-me, então, que só aceitava garrafas de marcas que vendia na loja, mas que não era comum ver clientes fazendo a devolução.
Um olhar mais atento às garrafas de cerveja norte-americanas – incluindo as que chegam ao Brasil – mostra as siglas de alguns Estados dos EUA seguidas de um valor, geralmente cinco centavos de dólar, ou, em alguns casos, dez centavos. Ao todo, dez Estados adotam a lei do depósito reembolsável. A primeira regra desse tipo foi instituída no Colorado, em 1971, já sob impacto do crescimento das embalagens não-retornáveis no mercado.
Em linhas gerais, a lei funciona da seguinte maneira: o revendedor paga um valor extra – geralmente os cinco centavos – por garrafa para o distribuidor que fornece o produto. Quando faz a compra, o cliente paga o mesmo depósito ao revendedor. Ao devolver as garrafas vazias, o consumidor recebe de volta o dinheiro do depósito, e o mesmo ocorre com o revendedor ao devolver os vasilhames para o distribuidor. Com isso, há um “estímulo” financeiro para fechar a cadeia de venda e recolhimento de garrafas, latinhas e outras embalagens, evitando que elas parem no lixo ou no meio da rua, por exemplo.
Parece besteira ter esse trabalho para recuperar cinco ou dez centavos? Convém saber que, como muita gente não se incomoda em retornar as garrafas, milhões de dólares não são recolhidos nesse processo e ficam com revendedores ou distribuidores. Alguns Estados chegaram a recorrer à Justiça para ter acesso a esses valores, que passaram a ser usados em programas de reciclagem ou educação ambiental.
No Brasil, infelizmente, iniciativas desse gênero são raras. A Ambev lançou uma versão de 300ml da Skol que é retornável e que, segundo a empresa, dá direito ao consumidor de pagar menos na compra seguinte se levar os vasilhames. Mas já vi nas redes sociais reclamações de pessoas sobre alguns mercados não aceitarem de volta as garrafas vazias. Outras cervejarias e importadores, porém, sequer possuem programas de recolhimento.
Diante desse cenário, quem quiser tomar boas cervejas e reduzir o impacto ambiental no Brasil pode concentrar suas degustações em chopes produzidos o mais perto possível de onde se vive. Assim, reduzem-se embalagens – boa parte do chope ainda é acondicionada em barris retornáveis, apesar do crescimento de versões em PET nessa categoria – e transporte, por exemplo. O growler, recipiente de vidro reutilizável que é enchido com chope, é outra alternativa para levar para casa receitas mais frescas de modo ecologicamente mais adequado. Mas isso fica para o próximo post.