Em Tóquio, cerveja é a melhor tradutora
Pode ser por falta de outras referências mais modernas, mas é impressionante como as pessoas que conheço têm como primeira associação, ao ouvirem falar de Tóquio, o filme Encontros e Desencontros (“Lost in Translation”), em que Bill Murray e Scarlett Johansson perambulam pelas ruas da cidade japonesa e se divertem com o fato de não […]
Pode ser por falta de outras referências mais modernas, mas é impressionante como as pessoas que conheço têm como primeira associação, ao ouvirem falar de Tóquio, o filme Encontros e Desencontros (“Lost in Translation”), em que Bill Murray e Scarlett Johansson perambulam pelas ruas da cidade japonesa e se divertem com o fato de não conseguirem se fazer entender tanto quanto não compreendem os locais. Viajei para lá em abril disposto a fugir dessa ideia pré-concebida – e para tomar cervejas, é claro.
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Mas percebi que a barreira do idioma é, realmente, o maior obstáculo para a interação com os locais. O que não impede quem visita o país de aproveitar bastante: depois de um tempo, percebemos, eu e minha esposa, que tudo que fizéssemos levaria um tempo extra, para decifrar as indicações e orientações locais, o que também tem sua graça.
Os japoneses com quem tive contato eram extremamente cordiais e dispostos a ajudar, embora nem sempre fossem capazes de tal. Bastava falar um “com licença” no idioma local e apontar um destino para que muitos desandassem a falar, dando explicações detalhadas e até divagando um pouco… em japonês!
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Depois de um dia de ginástica linguística e de mímica – consegui fazer uma dona de loja entender em menos de um minuto que precisava de agulha e linha, simulando o ato de costurar -, parar em um bar cervejeiro de Tóquio era um alívio. Em parte, porque esses locais já estão acostumados a atender turistas, em especial norte-americanos. Mas, principalmente, porque o vocabulário da cerveja está se tornando cada vez mais universal. Palavras como “Lager”, “Ale”, “India Pale Ale” e “Pilsner” são reconhecidas com facilidade. Outras sofrem ligeiras modificações de pronúncia, mas são perfeitamente compreensíveis, caso de “biru”, ou cerveja em japonês, que provavelmente veio de “beer” e se parece ainda com “birra”. Em um bar desse tipo, conhecer estilos cervejeiros torna-se mais importante do que saber japonês.
Entre visitas a templos, prédios modernos e museus, conheci cinco bares de Tóquio que trabalham com cervejas artesanais.
1) Popeye (2-8-17 Ryogoku)
Próximo à estação Ryogoku do metrô, ao museu Edo-Tóquio e a academias de sumô, este bar tem 70 torneiras de chope, a grande maioria de produtores japoneses. É provavelmente o melhor da cidade, além de ser um dos mais clássicos. Não se assuste se, ao entrar, todos os garçons gritarem (às vezes alguns mais atrasados que os outros), pois é um costume saudar os clientes na chegada e na saída.
O bar tem um balcão que imita uma panela de cobre típica de antigas cervejarias. O cardápio indica o estilo, teor alcoólico e índice de amargor dos chopes, o que facilita a montagem de um “esquema tático” de degustação. Algumas dicas: a linha Divine Vamp, produzida para o bar, tem uma India Black Ale muito boa, criada na Baird; há, ainda, uma bela India Pale Ale da Shiga Kogen; para fechar, uma Imperial Stout da Swan Lake, densa, licorosa e oleosa.
2) Craftheads (1-13-10 Jinnan, 1° subsolo)
O caminho até este bar nos colocou em uma situação cômica. Eu havia marcado o lugar errado no mapa, e demos de cara com um prédio da NHK, emissora de televisão japonesa. Na portaria, já incrédulo, mostrei o endereço à recepcionista, que apontou o subsolo. Fomos lá e nada achamos. Após algumas idas e vindas, ela mesma nos levou a uma sala de arquivo, onde alguns funcionários trabalhavam. Me ocorreu apenas citar o nome do bar e falar “biru”, o que levou os presentes a darem boas risadas; certamente viramos o assunto do happy hour alheio.
Passada a confusão, achamos o bar, a algumas centenas de metros dali. O ambiente é propositalmente rústico, com fiação e tubulação expostas no teto e balcão de cimento. A maioria das torneiras (mais de 20) é de cervejas americanas, que também dominam a parte de garrafas, mas há uma boa representação japonesa. O ponto alto da visita foi uma degustação vertical de Imperial Stouts da Baird, de 2012, 2013 e 2014. A mais antiga ganhou com facilidade. Provei ainda uma cerveja com chá Earl Grey, exótica mas bem doce. O bar ainda tem uma boa carta de uísques e bourbons norte-americanos.
3) Good Beer Faucets (1-29-1 Shoto, 2° andar)
Quem já se acostumou com a Lei Cidade Limpa certamente se sentirá hipnotizado e um tanto aflito em Shibuya, onde fica o bar. A quantidade de propagandas, luminosos e telões com volume de estádio de futebol chega a desnortear. Aprecie o quanto puder e parta para o Good Beer Faucets, o mais turístico dos bares de cerveja que conheci em Tóquio, com direito a garçonete europeia. Nas 40 torneiras – de cujo sistema de limpeza a casa se orgulha, e que realmente parecem conservar bem os chopes – a maioria é de produções japonesas. A Red Ale da casa, batizada de Redneck, tem bom equilíbrio entre malte e lúpulos cítricos. A Brown Ale, chamada Endless, também agrada.
4) Ant n’ Bee (5-1-5 Roppongi, 1° subsolo)
Recomendação de uma amiga, este pequeno bar tem 20 torneiras de chope. Não vi muita diferença de rótulos em relação aos anteriores, a não ser por uma Belgian IPA da Shonan, boa, com potentes notas de cravo e cítricas. Um ponto negativo é que há pouca separação da área de fumantes, o que pode atrapalhar quem está ali mais pelos aromas das cervejas do que dos cigarros. A cozinha também deixou a desejar, entregando um polvo frito numa poça de óleo. Pode ter sido azar. Pela cerveja, vale a visita.
5) Brewdog Roppongi (5-3-2 Roppongi)
Irritado com a comida do Ant n’ Bee, usei o aplicativo cervejeiro do site Ratebeer.com para checar se havia outro bar com boas fermentadas próximo dali. E tomei um susto ao ver que a Brewdog já havia fincado sua bandeira no Japão, pouco tempo depois de inaugurar sua unidade paulistana. O ambiente, embora seja diferente no tamanho, é praticamente igual ao do bar em São Paulo – que, por sua vez, é similar ao dos bares em Camden e Shoreditch, em Londres. A lista de cervejas da marca e convidadas é boa, mas não havia nenhum rótulo japonês, o que é um ponto negativo e me fez quebrar a regra de só tomar cervejas do país em que estou quando em férias. Fui obrigado a me contentar com uma excelente Stone Arrogant Bastard Oaked, dos Estados Unidos. Francamente…