‘Fotocubismo’, de Vik Muniz, chega à galeria Nara Roesler na quarta (10)
O artista se aproxima do modo de pensar de pintores cubistas e faz releitura de Pablo Picasso, Juan Gris e Georges Braque em nova mostra
O retrato de Vik Muniz, nesta matéria, pode dar a impressão de que o artista paulistano é do tipo fechadão. “Uma vez, um galerista na Itália me disse para sorrir menos, ser sisudo que era cool. Mas não segui o conselho até hoje, porque sou grato ao que vivo e gosto de ser bem- humorado”, diz ele, que tem mais um motivo para seguir nessa linha. Na quarta (10), ele inaugura a exposição Fotocubismo, composta de 22 obras na galeria Nara Roesler, no Jardim Europa.
“Seria leviano pensar que é somente uma associação direta das palavras fotografia e cubismo. Remeto aqui a uma maneira de pensar desse movimento”, explica ele. Não entendeu muito bem? Tem mais: “Os pintores cubistas surgem também como uma resposta agressiva à imagem fotográfica. É como se eles dissessem que a fotografia (calcada na verossimilhança) não podia ser soberana na tradução de experiências, que, por sua vez, são dinâmicas, com várias perspectivas e muitas ambiguidades”, acrescenta.
Vale entender melhor o processo de produção das obras apresentadas. Muniz refez pinturas assinadas por expoentes do cubismo, Juan Gris (1887-1927), Georges Braque (1882-1963) e Pablo Picasso (1881-1973), autor de Três Músicos (1921). Depois de montados os trabalhos, os refotografou e os manipulou diversas vezes, corta, dobra e fura, em uma espécie de looping. “No fim do século XX, Vik já nos perguntava, com sua produção, sobre o que é real. De alguma forma, ele atuava como um sismógrafo, aparelho que prevê terremotos. Mais de vinte anos depois, falaríamos em pósverdade e nos questionaríamos, por exemplo, se aquela imagem enviada pelo WhatsApp foi ou não manipulada”, aponta a curadora Luisa Duarte, que as sina um dos textos do livro Epistemas, com a produção recente do artista e previsão de lançamento para 8 de dezembro.
Entender o trabalho de Muniz pela chave da ambiguidade visual pode ajudar nessa viagem. Por exemplo, no filme Lixo Extraordinário (2011) se observa o processo de confecção de retratos por meio de itens advindos da reciclagem e de profissionais que atuam nessa área. Há uma questão social evidente aí? Sim, nessa série, a partir do trabalho coletivo, são mostradas as condições insalubres às quais muitos trabalhadores são submetidos, fruto da disparidade social brutal no Brasil.
Entra aí também uma lógica do consumo exacerbado, que não se preocupa com o descarte de bens consumidos. Porém há mais coisa. Por exemplo, a cena em que Tião Santos, líder da Associação dos Catadores de Jardim Gramacho, aparece em uma banheira, com os cabelos cobertos por tecido, foi criada a partir de tampinhas de garrafa, caixas. Ali, a imagem dos objetos descartados guarda ambivalências, eles não perdem sua forma, mas passam a integrar algo maior. Aquela não é somente a imagem de um cone. E, seguindo, não é apenas a foto de uma intervenção em que Tião foi retratado, é uma conversa com uma das telas mais importantes da história da arte europeia, A Morte de Marat (1793).
“Não faço obra com chocolate porque é fofo, mas porque cada material demanda um tipo de processo e relações”, detalha o artista, que no dia 18 segue para outra experiência. Vai inaugurar uma galeria de arte na feira de São Joaquim, dita a maior de Salvador. “Meu problema não é o cubo branco em si, mas o fato de exposições serem realizadas, na maioria, em lugares elitistas”, conclui, completando o spoiler: “Vamos mostrar obras do Ernesto Neto”.
+Assine a Vejinha a partir de 6,90.
Publicado em VEJA São Paulo de 10 de novembro de 2021, edição nº 2763