Carolina Maria de Jesus, muito mais que a “escritora da favela”
Escritora de “Quarto de Despejo" é tema de exposição no Instituto Moreira Salles
Carolina Maria de Jesus (1914-1977) é conhecida pelo senso comum como a “escritora da favela”, autora do clássico Quarto de Despejo (1960). O que parece (e foi) reconhecimento guarda também preconceito, como indica uma exposição em homenagem à personagem, com curadoria de Hélio Menezes e Raquel Barreto, no Instituto Moreira Salles (IMS). A mostra vai além das galerias do 8º e 9º andar e toma a entrada do prédio, com uma escultura de Flávio Cerqueira, Uma Palavra que Não Seja Esperar (2018), e o pátio do 5º andar, com uma instalação de Luana Vitra, Escoras para Tetos Prestes a Desabar (2019).
Além de Quarto de Despejo, Carolina publicou outros três livros em vida, que têm exemplares apresentados no espaço expositivo: Casa de Alvenaria (1961), Pedaços de Fome (1963), cujo título original era A Felizarda, e Provérbios (1963). Conforme vai deixando os relatos de pobreza para trás e olhando para o racismo que vem de gente “do bem”, porém, seu sucesso editorial vai raleando, até ser convidada nos anos 70 para reviver em um programa de uma televisão alemã a vida dura na Favela do Canindé, em São Paulo, onde morou boa parte da vida. Detalhe: naquele tempo, ela já não vivia naquela comunidade. Porém insistiam em associar sua figura ao lugar. A consagração de Quarto de Despejo a aprisionou à narrativa de precariedade, alguns diriam, outros, entretanto, apontariam que a certos grupos parece não existir outro lugar a não ser o sofrimento.
Sair do modelo da mulher negra, pobre, que precisa ter seu talento “descoberto” por outros, embaralha papéis já postos, carimbados e cravados no jogo social. Carolina sofreu com isso, mas não deixou de tentar outra via. Foi atrás dos sapatos que sua filha Vera Eunice não tinha. Não sabia, mas criaria uma ponte com Ayrson Heráclito, que na série Desenhos da Liberdade traz os desenhos de uma mulher que foi escravizada e uma sandália, sobre cartas de alforria encontradas no arquivo da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Muitas pessoas negras buscavam proteger seus pés com calçados depois que conseguiam a liberdade, algo que parece pequeno, mas era muito importante para quem teve sua humanidade desrespeitada.
Vale dizer que também faz parte da exposição no IMS uma seleção bastante interessante de artistas contemporâneos, que têm encampado discussões diversas na cena de artes visuais, são eles: Desali, No Martins, Paulo Nazareth, Lyz Parayzo, Jaime Lauriano e Lidia Lisboa.
> Instituto Moreira Salles. Avenida Paulista, 2424, ☎ 2842-9120. Terça a domingo, 12h às 18h. Grátis. Até 30 de janeiro de 2022.
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Publicado em VEJA São Paulo de 6 de outubro de 2021, edição nº 2758