Os cuidados especiais oferecidos aos bichos do Zoo de São Paulo
De acupuntura em cobra a tratamento dentário em hipopótamo, curiosidades sobre os animais do endereço, disputado nas férias de julho
O Zoológico de São Paulo, na Água Funda, consiste em um programa concorrido nas férias de julho. Nessa época, o número de visitantes costuma inflar 65% em relação à média mensal, de 140 000 frequentadores. Crianças e adultos saem de casa interessados em conhecer espécies incomuns, a exemplo de elefantes, onças e chimpanzés.
São 3 000 exemplares de mamíferos, aves, répteis, anfíbios e invertebrados espalhados pelos 900 000 metros quadrados do local e do vizinho Zoo Safári, antigo Simba Safári, onde o passeio é feito de carro e parte dos animais fica solta. Entre as novidades da temporada, estão programadas a aparição de dois leões, um macho vindo da África do Sul e uma fêmea da Holanda, e a abertura de um recinto reformado para abrigar um macaco mono-carvoeiro.
Para cuidar dessa variada fauna, 340 funcionários encarregam-se das tarefas mais inusitadas. As atividades vão desde cozinhar refeições personalizadas, que podem envolver de camarão (para os flamingos) a mirtilo (para os tucanos), passando por ajudar na reprodução de animais em extinção, caso do mico-leão-dourado, até realizar acupuntura em uma serpente.
A equipe deve atender não apenas às peculiaridades de cada tipo de bicho, mas também às singularidades dos indivíduos desses grupos — por exemplo, um urso com problemas nas articulações (confira as histórias ao longo da reportagem).
Pelo fato de esses animais viverem em cativeiro, é preciso também pensar em ações para distraí-los e estimulá-los. Por isso, os zoológicos são alvo de críticas de muitos ativistas. No exterior, existe um forte movimento contra esses locais, principalmente no que diz respeito a combater a ideia de colocar os bichos em uma “vitrine” com o objetivo de ganhar dinheiro.
Nos Estados Unidos, no ano passado, ganhou notoriedade o caso do gorila Harambe, morto por tratadores depois de ter agarrado um menino de 3 anos que caiu em sua jaula. O episódio pôs em xeque a estrutura do espaço, sobretudo em relação ao preparo da equipe e à segurança dos animais e dos frequentadores.
Por aqui, as críticas se repetem. “No confinamento, os bichos podem adoecer, em nome do entretenimento”, explica Vania Plaza Nunes, veterinária e diretora técnica do Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal. Mas não há um consenso entre os especialistas sobre o assunto. Chefe da divisão de veterinária do zoo, Fabrício Braga Rassy afirma que esse tipo de instituição traz valores de educação e conservação, além de promover pesquisas. “Buscamos sempre a saúde e o bem-estar dos animais.”
Fundação Parque Zoológico de São Paulo. Avenida Miguel Estéfano, 4241, Água Funda, ☎ 5073-0811 e 5058-0564. Seg. a dom., 9h às 17h. Grátis (até 5 anos), R$ 13,00 (6 a 12 anos) e R$ 35,00.
Zoo Safári. Seg. a dom., 10h às 17h. Veículo próprio: grátis (até 3 anos), R$ 15,00 (4 a 12 anos) e R$ 32,00. Vans do parque: grátis (até 3 anos), R$ 24,00 (4 a 12 anos) e R$ 32,00.
Raio-X necessário
Acostumado a ração, frutas e sementes, Efigênio andou comendo o que não devia. Em fevereiro, a equipe do zoo notou um comportamento estranho na arara-vermelha-macho: ela estava apática, evitava voar. Outro mau sinal: começara a arrancar as próprias penas. Após exames, descobriu-se que a ave havia ingerido partículas metálicas, provavelmente ao bicar a grade de proteção de seu recinto.
Por duas vezes, ela enfrentou um procedimento veterinário em que uma sonda com um ímã na ponta foi inserida pelo bico para livrar seu organismo dos corpos estranhos. Na segunda (3), Efigênio passou, muito a contragosto, por uma radiografia. A chapa mostrou que estava tudo bem. Em breve, o bicho (que chegou já adulto, em 1991, a São Paulo, vindo de um centro de triagem de… Araras, no interior) deve voltar à exposição para os visitantes.
Trauma superado
As elefantas asiáticas Serva e Hangun, de aproximadamente 45 anos, passaram parte da vida em um circo. Depois, foram parar em um zoológico particular de Santa Catarina, fechado em 2011 devido à situação de abandono. Debilitadas, tiveram acolhimento no Zoológico de São Paulo. Antes do transporte rodoviário até aqui, percebeu-se que elas apresentavam trauma de barulho de correntes. “Eram extremamente medrosas”, lembra o biólogo Cauê Monticelli, chefe do setor de mamíferos.
Na viagem, era preciso acorrentá- las — e assustar animais de 5 toneladas pode ser um problema. Para isso, houve treinamento
durante um mês. “Tentamos introduzir o som de forma mais rotineira, oferecendo melancia ou rapadura quando ele era produzido.” Tudo deu certo. Agora, um dos cuidados dispensados à dupla envolve “fazer as unhas”, que se desgastam menos do que na natureza e às vezes precisam ser lixadas.
A cobra adepta das agulhas
A fundação conta com diversos tratamentos alternativos no cuidado com seus animais. Há, por exemplo, terapias com LED e acupuntura, empregada principalmente em casos de problemas nas articulações. Entretanto, é inusitado o uso dessas agulhas terapêuticas em uma serpente. A cobra-cipó da foto, sem nome, de cerca de 80 centímetros de comprimento, chegou ao endereço em 2012. Recentemente, apresentou um processo degenerativo ósseo. Para melhorar a locomoção, virou adepta do tratamento há cerca de seis meses.
Sorriso em dia
Os hipopótamos não são os tipos mais amigáveis da natureza. Tornam-se ágeis e bastante agressivos debaixo d’água. Pororó, de 11 anos e com 1 tonelada, criado em cativeiro, é uma das exceções. De três a quatro vezes por semana, o morador do Zoo Safári abre feliz a bocarra para deixar que escovem seus dentes. “Ele gosta também que cocem sua gengiva”, diz o biólogo Ariel Tandello.
O procedimento evita problemas dentários como inflamações e retira restos de capim, feno e ração que o bicho herbívoro come. Os tratadores ainda passam um cordão de náilon, como um fio dental. Fã de banhos de lama, Pororó desgasta os dentes ao morder pneus de trator disponíveis no recinto. É possível, no entanto, que a equipe do zoo precise serrá-los em breve, procedimento que é indolor.
O trabalho do “dentista” ajuda o bicho a se acostumar ao toque dos tratadores que monitoram as presas a fim de evitar que cresçam demais. Nesse caso, elas podem causar complicações graves.
Primata com diabetes
Faustina, de 33 anos, faz parte de um grupo de oito chimpanzés vindo de Lisboa. Além de ser líder do coletivo (aparta conflitos, estabelece a ordem entre os colegas e não se mostra nada submissa), ela possui outra peculiaridade: é diabética. Por causa disso, toma metformina duas vezes por dia. O remédio é misturado com suco natural despejado em uma garrafa de plástico, que ela abre com destreza.
Para que não haja briga, seus companheiros também ganham a bebida, mas apenas a de Faustina está “batizada”. Seus níveis de glicose são acompanhados com testes periódicos de sangue, que envolvem aquela picadinha no dedo. Fora isso, Faustina vive bem com os amigos, também muito inteligentes. O zoo promove sempre atividades que instigam seu raciocínio, além de outros passatempos — já rolou até sessão do filme O Rei Leão, acompanhada com atenção em uma TV colocada fora do alcance da macacada.
Cardápio restrito
Para as onças-pintadas, a dieta deve se mostrar estritamente carnívora. Em tempos de intolerantes a glúten, lactose e afins, a fêmea Nenê, de 10 anos, também tem suas restrições. Há cerca de dois anos, quando abocanhava principalmente carne de boi, além de frango e presas — pequenos roedores, por exemplo —, ela começou a ter acessos de vômito. Constataram-se alterações gastrointestinais e pancreatite. Desde então, a carne de boi foi substituída por pernil de porco.
O quilo do petisco ofertado quase diariamente representa aproximadamente um terço de sua alimentação para o período. Nenê faz jejum dois dias por semana. Recebe também medicação em pó, misturada nas refeições. Para distraírem o felino brincalhão, os cuidadores disponibilizam brinquedos, como bolas e mordedores, e dificultam seu acesso à comida (colocando-a em um local alto, por exemplo), a fim de estimular o instinto de caça.
Urso de ouro
A idade parece ter chegado para o urso-pardo Dingo. O gigante de 340 quilos apresenta osteoartrose nas pernas. Por isso, demonstra dificuldade para ficar em pé e locomover-se. Estima-se que tenha aproximadamente 25 anos. Há cerca de três meses, o bicho saiu da área de exposição para tratamento, sem data para voltar. Precisa de acupuntura, mas não consegue passar por sessões frequentes, devido a seu grande porte. Por isso, recebeu quinze implantes de ouro a fim de estimular pontos de seu corpo.
Além disso, ingere remédios para controlar a dor, “escondidos” em sua fruta favorita, a melancia. É tratado com homeopatia há um ano. Os glóbulos são oferecidos em uma seringa, misturados com melaço (foto). Eles ajudam na parte comportamental. “Servem para acalmar”, explica a veterinária Maria Carolina Rocha, que executa essas terapias. “Ursos de cativeiro costumam mostrar comportamentos estereotipados, como fazer meneios de cabeça ou andar em círculos.”
Carona de van
Nascida no último dia de 1999, no antigo Simba Safári, atual Zoo Safári, a macaca-aranha Tuquinha não bobeia. Em 2015, ela aproveitou uma brecha, quando um carro entrou em seu recinto, e escapuliu. Subiu na copa de árvores do parque e lá ficou, difícil de alcançar. Uma equipe de sete profissionais treinados para situações de fuga (incluindo um atirador de arma anestésica) foi acionada. A primata acabou monitorada durante cinco dias, após tentativas malsucedidas de captura.
Demorou pouco, entretanto, para que ela sentisse saudade de casa. Esperta, pulou no teto de uma das vans que fazem o percurso de 3,9 quilômetros do local com visitantes a bordo. Quando chegou ao seu recinto, saltou para dentro. “Ela devia saber que os carros passavam por lá, então esperou”, acredita o biólogo Cauê Monticelli. Tuquinha não fugiu mais, e os tratadores se mantêm de olho na sabichona.