Consulado americano em São Paulo recusa visto a sessenta pessoas por dia
Apesar dos problemas, 96% dos viajantes brasileiros conseguem autorização para entrar nos Estados Unidos
Em vez de suspiros de alívio, lamentos e reclamações. O rosto exibe uma expressão fechada, de desapontamento. Nas mãos, nenhum sinal da folha branca, espécie de recibo que atesta o sucesso na entrevista para o visto. É dessa forma que os viajantes brasileiros que não conseguem autorização para entrar nos Estados Unidos deixam o consulado americano, na Chácara Santo Antônio. Todo dia, cerca de sessenta pessoas, uma média de 4% das 1.600 atendidas, ouvem um “não” dos vice-cônsules americanos. Normalmente, a recusa significa adiamento de planos. “Estava pagando minha viagem à Disney desde fevereiro, e agora o sonho acabou”, diz o agricultor Gustavo Pacheco, 23 anos, que saiu desconsolado depois de esperar duas horas lá dentro. No último dia 15, pelo menos outros quatro turistas depararam com o mesmo obstáculo. Todos eram jovens — entre 12 e 28 anos — e afirmaram querer passar as férias em alguma cidade americana, na maioria das vezes em Orlando, na Flórida. Três deles vieram de outras cidades e tiveram de voltar para casa conformados com a mudança forçada de roteiro. Nem sempre é assim. Há quem se descontrole diante da negativa. “Na semana passada, uma moça chutou meu balcão e me xingou”, lembra Andrea dos Santos, funcionária de um estabelecimento em frente ao consulado. Há três meses, uma mulher teria tirado toda a roupa e deitado no meio da rua em protesto. Segundo testemunhas, ela só foi contida pela Polícia Militar. “Já vi de tudo aqui: gente desmaiando, quebrando o celular no chão”, conta Maria Neusa de Oliveira, que trabalha há dezesseis anos num dos vários despachantes que funcionam nas redondezas.
Diante das altas taxas de aprovação de visto, não obter a permissão americana no passaporte brasileiro tende a ser ainda mais frustrante agora que no passado. Atualmente, 96% das pessoas que pedem autorização para entrar nos Estados Unidos a conseguem. Em 2003, esse índice era de 79%. Nos últimos dois meses, cresceu 39% o número de pessoas atendidas diariamente, por causa, principalmente, do aumento no total de entrevistadores, de treze para dezoito. Segundo o chefe da seção consular, David Meron, essa elevação no atendimento pode ser atribuída à boa situação econômica brasileira e à melhor qualificação do solicitante. Com o real mais forte, o custo da viagem baixou e fez a demanda aumentar. “O Brasil foi o único país do mundo que no ano passado registrou crescimento nas emissões”, afirma Meron. “Em novembro, até recebemos uma estatueta da Disney em reconhecimento aos vistos concedidos.”
Hoje é necessário esperar cerca de quarenta dias para ser entrevistado por algum dos dezoito vice-cônsules. Antes, porém, é preciso preencher um formulário na internet chamado DS-160, que deve ser respondido em inglês (com recursos de tradução). Além de informar a renda mensal e descrever o que faz no atual emprego, o viajante tem de completar questões como: “Você tem alguma outra instrução que não o ensino fundamental?”. Há ainda perguntas sobre desordens mentais e vício em drogas. Quando a pessoa está diante de um dos oito guichês de atendimento, o funcionário consular já tem essas respostas na tela do computador. Se alguma delas não corresponde aos requisitos para o visto, um destaque em cor diferente começa a piscar. Nesse caso, o entrevistador pode fazer algum questionamento ou pedir documentos para esclarecer dúvidas. “O bate-papo dura menos de dois minutos”, afirma Meron. “Todos os vice-cônsules falam português e recebem um treinamento de seis semanas para fazer essa avaliação.” Eles têm autonomia para conceder ou negar a permissão. Desde o último dia 28, a validade do visto aumentou de cinco para dez anos.
A negativa do visto normalmente não vem acompanhada de uma explicação objetiva dos motivos. “Não mostraram nenhuma razão”, reclama a estudante Nayara Benedetti. Em geral, é entregue apenas um folheto com causas genéricas. O cônsul garante que a recusa não é mera questão de estatística nem obedece sempre a um mesmo padrão. Há dias em que 98% das pessoas atendidas saem de lá aliviadas, mas em outros esse número pode cair para 90%. “Na maioria das vezes, negamos o visto porque a pessoa não demonstrou ou comprovou vínculos suficientemente fortes com o Brasil”, diz Meron. Por laços duradouros, entende-se família, emprego e bens que prendam obrasileiro ao país. Ou seja, garantias de que ele não pretende engrossar o número de imigrantes ilegais nos Estados Unidos. O consulado recomenda que o turista rejeitado só tente de novo depois de alguns meses, quando sentir que sua situação econômica e pessoal mudou e tiver como comprovar isso. Nesse caso, tem de refazer o processo e aguardar novamente por uma data de entrevista (ao todo, gastam-se 288 reais com taxas).
“FUI A ÚNICA QUE NÃO CONSEGUIU VISTO ENTRE AS OITENTA PESSOAS QUE VIERAM DA MINHA CIDADE”
Saí ontem à noite de Paranavaí (PR), rodei 700 quilômetros para chegar a São Paulo e de nada adiantou. Acabaram com as minhas férias de julho na Disney. A pessoa do consulado que me atendeu perguntou apenas se eu estudava aqui no Brasil e eu disse que sim. E aí, sem mais nem menos, informou que não poderia me conceder a autorização. Fiquei inconformada e perguntei o motivo. Ouvi que encontraria as respostas nesta carta que me entregaram. Não entendi por que fui recusada. Trouxe todos os documentos comigo: comprovante de renda da minha mãe, que é advogada e vai me dar a viagem de presente, e a declaração da faculdade em que estou matriculada, mas nada disso resolveu. Já gastei 6 000 reais com passagem e hospedagem. Por que não posso viajar aos Estados Unidos se tenho dinheiro para ir?
NAYARA BENEDETTI, 21 anos, estudante de administração, de Paranavaí (PR)
“MEUS FILHOS TERÃO DE ESPERAR MAIS SEIS MESES PARA MATAR A SAUDADE DA MÃE”
Mandaria meus dois filhos, Alisson, de 17, e Larissa, de 12, à Disney no próximo dia 14 para passar duas semanas. Eles participariam de uma excursão da escola de inglês Wizard, de Criciúma (SC), cidade onde moramos. Na hora da entrevista lá no consulado, acho que eles ficaram nervosos e se atrapalharam ao responder a algumas perguntas e não conseguiram o visto. Também não sei se faltou documentação ou se preenchemos alguma ficha de maneira errada. Fiquei muito chateado. Gastamos quase 4 000 reais à toa com passagens para vir até São Paulo. Se a pessoa não souber direitinho todos os procedimentos, vai jogar dinheiro fora. O avô deles juntou todas as economias que tinha para pagar adiantado essa viagem. Depois da Disney, meus filhos visitariam a mãe deles, que mora na Flórida. Agora terão de aguentar a saudade e esperar pelo menos mais seis meses, até janeiro, para tentar mais uma vez.
PAULO SÉRGIO DA SILVA, empreiteiro, com os filhos Alisson e Larissa, de Criciúma (SC)
“FALARAM QUE EU TINHA POUCO TEMPO DE VÍNCULO COM A EMPRESA EM QUE TRABALHO”
Combinei com um grupo de amigos da minha cidade de viajar à Disney no dia 26 de julho. Todos eles conseguiram visto, e achei que não teria problemas, mas quando cheguei aqui ao consulado, hoje cedo, recebi um balde de água fria. Separei cópias de dezenas de documentos, e não me pediram nada. Mal olharam na minha cara quando me deram a notícia de que não tinha sido aprovada. Só alegaram que fazia pouco tempo que eu estava em meu atual trabalho. Formei-me em pedagogia no ano passado e não tenho culpa de só ter sido contratada há quatro meses pela escola na qual leciono. É humilhante. A gente viaja para gastar lá e ainda tem de passar por esse constrangimento. Nem tenho motivos para ficar por lá. Parcelei a viagem, que custou uns 5 000 reais, até 2012 e já comecei a pagar. Agora todos os meus colegas estão comemorando, menos eu. Prefiro pensar que não era para eu ir.
FERNANDA BRITO, 27 anos, professora, de Santos (SP)
“ACHO QUE AGORA VOU PARA LONDRES”
Já tinha combinado com um amigo meu de percorrer algumas cidades dos Estados Unidos em minhas férias, em setembro. Queria visitar Nova York, Miami, Orlando e Las Vegas, mas acabaram de me negar o visto e adeus, planos. Não estou a fim de dar entrada novamente no processo e ter o visto negado pela segunda vez. O pior é que gastei 500 reais, entre documentação, taxa de agendamento e foto, para não conseguir nada. Não foi por falta de documentos. Trouxe RG de meus dois filhos, declaração de imposto de renda e até uma carta, em inglês, da multinacional em que trabalho. Também sou sócio de uma empresa e mostrei os comprovantes. De nada adiantou. Olharam tudo, e percebi que dois caras começaram a discutir meu caso durante um tempão até que, enfim, me deram a resposta negativa. Acho que agora vou para Londres, que não exige visto de brasileiro.
RODRIGO PRADO, 28 anos, analista contábil de uma multinacional, de São Paulo (SP)
NÚMERO 1 DO MUNDO
Há três anos, o posto do consulado americano, em São Paulo, é o que mais concede vistos. Confira o ranking (média de emissões por dia)
1º São Paulo – 1 107
2º Cidade do México – 910
3º Pequim – 863
Fonte: Consulado dos Estados