Vila Madalena: alegria na tristeza
Bairro cresceu graças às obras de um cemitério e ficou boêmio durante o regime militar
Uma sequência de morros com trilhas por onde circulavam índios, jesuítas e tropas. Assim era a Vila Madalena no século XVI, parte de uma extensa sesmaria, doada ao bandeirante Fernão Dias, que envolvia ainda os Jardins e, o mais importante na época, o bairro de Pinheiros, um dos primeiros povoados de São Paulo. Pinheiros tinha até sua capela, mas a Vila, que ainda não era Madalena, continuava mesmo um lugar de passagem, acidentado e de difícil acesso.
“Começava no Córrego do Rio Verde (nas imediações da Rua Girassol) e ia até o Córrego das Corujas (Rua Harmonia)”, diz Yvone Dias Avelino, professora de história da PUC e coordenadora do Núcleo de Estudos de História Social da Cidade. “No início do século XX, permanecia com mato fechado, capinzais, pasto e árvores frutíferas, com gente andando a cavalo e caçando pássaros.”
Os moradores, portugueses, só começaram a chegar entre 1910 e 1920, e formaram chácaras, algumas maiores, como a Francisco Morato, hoje a esquina das ruas Mourato Coelho e Delfina. “Muitos vieram para trabalhar nas obras do Cemitério São Paulo nos anos 20”, conta Yvone. Depois, desembarcaram os italianos e os espanhóis. Quase não havia negros. Os nordestinos a descobriram bem mais tarde.
A região foi loteada apenas nos anos 40. Na década seguinte, seguia como uma área rural da cidade, com pirambeiras e sítios que produziam frutas e flores. Faltavam opções de comércio. Segundo Décio Afonso Justo, em seu livro ‘Vila Madalena, História, Fatos e Fotos’, armazéns como o do comerciante Militão Paulino Martins (aberto em 1940 e que ainda está na Rua Fidalga, 547) eram raridade.
Graças ao pai aviador, a dona de casa Rosa Aparecida Landi, de 65 anos, tem um dos mais importantes registros fotográficos da região, com casas em construção e terrenos vazios (os primeiros prédios de três andares são de 1958, de acordo com o livro de Afonso Justo). Antonio Landi fez fotos aéreas em 1950 e, ousado, costumava dar voos rasantes sobre a residência da família, na Rua Harmonia.
“Ele alugava um teco-teco no Campo de Marte e levava as pessoas para passear.” Os amantes do futebol de várzea se distraíam nos terrenos onde hoje existe o Condomínio Natingui, conjunto com 55 prédios. “Havia vários times: o Primeiro de Maio, o Sete de Setembro e o Leão do Morro. Eu não jogava, mas assistia às partidas”, lembra o cartunista Paulo Caruso, morador da Vila desde 1951. Os campos acabaram em 1968, com a obra do extinto Banco Nacional da Habitação (BNH).
Foi nessa mesma época que os alunos da Universidade de São Paulo começaram a se mudar para o bairro e transformar seu perfil. No regime militar, a polícia invadiu o Conjunto Residencial da USP (Crusp), e os moradores de lá tiveram de se instalar nos arredores. “Os portugueses passaram a alugar suas edículas aos estudantes”, afirma Caruso. Os aluguéis baratos também atraíram os hippies, como narra Enio Squeff no livro ‘Vila Madalena, Crônica Histórica e Sentimental’: “Foram eles que deram origem à Vila como ela seria mais tarde”.
Vanessa Dantas Pinheiro aponta em sua tese de mestrado ‘Vila Madalena, imagens e representações de um bairro paulistano’ que o “Sujinho ou Snacks Bar Canarinho, inaugurado em 1978, foi ponto de encontro de hippies, intelectuais, militantes de esquerda e artistas”. A vocação boêmia se instalou. “Os hippies andavam por aí com seus cabelões. Nós estranhávamos, mas eram gente boa”, diz Humberto Carlos da Costa, o Betinho, que tem um bar de mesmo nome na Rua Wisard. No endereço, funcionou de 1952 a 1957 o armazém de seu tio Carlos, português da Ilha da Madeira. Em 1961, o lugar foi assumido pelo pai de Betinho, que continua no comando da cozinha. “Até 1990, passeava pela rua e conhecia todo mundo. O bairro cresceu demais, e hoje os mais antigos viraram estranhos.”