Venda de propriedades do Jockey causa polêmica
Para o atual presidente, Eduardo Rocha Azevedo, o negócio é a única coisa que pode salvar a entidade das dívidas
No que depender da direção do Jockey Club, seu tradicional endereço na Rua Boa Vista, no centro, está com os dias contados. O edifício de dezesseis andares, que funcionou como sede social do clube nos anos 60 e abriga um importante acervo, com telas de Portinari e DiCavalcanti, além de um concorrido restaurante (Lia Jockey), será posto à venda por cerca de 90 milhões de reais.
O discurso do atual presidente, Eduardo Rocha Azevedo, vai na linha do ditado popular “vão-se osanéis, ficam os dedos”. Segundo ele, o negócio é a única coisa que pode salvar a entidade.Ela acumula uma dívida de 104 milhões de reais, e o passivo não para decrescer, pois as receitas com apostas mínguam a cada ano, assim como a renda obtida do aluguel de espaços para grandes shows. “Infelizmente, passar para a frente o prédio é o único jeito de começar a equilibrar as contas”, entende Azevedo.
Ex-presidente da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), fundador da Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F) e sócio das Faculdades de Campinas (Facamp),ele foi eleito em março do ano passado como candidato da oposição à gestão de Márcio Toledo, que se mantinha no poder desde 2005. Quando assumiu, Azevedo diz ter encontrado as finanças do Jockey em frangalhos. Grande parte do passivo vem do longo histórico de dívidas acumuladasde IPTU (o valor anual do imposto municipal é de 6 milhões de reais). O restante do buraco tem origem em calotes de outros tributos, como imposto de renda sobre prêmios e INSS de funcionários. Azevedo terá um páreo duro pela frente para convencer os sócios do seu plano de emergência.
A proposta tem de ser aprovada na assembleia marcada para o próximo dia 27. Ela precisará reunir um quórum mínimo de 200 sócios (são 1.500). A vitória por maioria simples na votação garantirá o sinal verde para a comercialização do patrimônio histórico. Do contrário, Azevedo terá de tirar o cavalo da chuva e desistir davenda. “Entendo que muitas pessoas não gostem da ideia, mas se estivessem do meu lado do balcão fariam o mesmo”, diz. Se a venda for aprovada (e efetivada), ele pretende investir 6 milhões de reais na reforma das instalações sociais do hipódromo da Cidade Jardim. “Assim poderemos cobrar 100.000 reais pelo título, em vez dos atuais 25.000 reais”, planeja. O grosso do dinheiro da venda se destinaria a abater a parte principal da dívida. O restante do passivo seria renegociado com a prefeitura e outros credores.
A oposição, liderada pelo ex-presidenteToledo, promete brecar o projeto. “Não se pode vender algo sem haver concorrência nem projeto financeiro”, afirma ele. Na sua opinião, o plano da venda de títulos será um novo tiro na água, já que a quantidadede sócios míngua ano após ano (hoje, apenas um terço dos sócios da década de 70 permanece). Além disso,acrescenta, desfazer-se do imóvel do centro significa abrir mão de uma receita de 800.000 reais mensais, fruto da locação de andares e do estacionamento. “O que o Azevedo vai propor para pagar o IPTU dos próximos anos? Vender mais bens?”, questiona Toledo.
Os descontentes já começaram uma mobilização para tentar anular o ato de convocação da assembleia extraordinária que discutirá a venda do edifício. Nos corredores das elegantes instalações da Cidade Jardim, vozes mais exaltadas defendem um processo de impeachment da diretoria.
Em 2006, na gestão de Márcio Toledo, o valor do IPTU não pago já era milionário. Toledo, que se tornou conhecido fora do mundo turfístico quando começou a namorar a ministra Marta Suplicy, negociou um parcelamento com a prefeitura. Em paralelo, passou a questionar na Justiça parte da dívida, alegando erros no lançamento do tributo. “Saí do comando do Jockey deixando a casa em ordem, com 900.000 reais em caixa e as parcelas em dia”, garante o ex-presidente. Ao iniciar seu mandato, Azevedo mudou a estratégia. Decidiu assumir o valor integral da dívida do IPTU (80milhões de reais) e se concentrou em tentar obter uma anistia junto à prefeitura. “Estava tudo indo bem, mas agora, com o fim do atual mandato, não sei mais como o assunto será tratado”, afirma ele.
O atual presidente se diz disposto também a se desfazer da Chácara do Ferreira, na Zona Sul, que chegou a abrigar quatro shows por ano até 2010, rendendo até 500.000 reais por evento. Segundo ele, as instalações elétricas estão danificadas e não há infraestrutura para novas festas. A falta de uso do espaço levou a prefeitura a entrar no ano passado com um pedido de desapropriação para transformar a área de150.000 metros quadrados em parque.
O imbróglio, em trâmite na Justiça, deve se arrastar ao longo de 2013. Para deixar a situação mais complicada, desde junho os vencedores de cada corrida — incluindo proprietários dos cavalos, jóqueis e treinadores— só recebem 30% dos prêmios, que têm valor médio de 6.000 reais. “Prometeram pagar o restante em dezembro, mas não há nenhum documento oficializando isso”, diz um dono de haras que teme tomar calote. Com ou sem a venda do prédio da Rua Boa Vista, Azevedo diz que o compromisso está firmado: “Minha palavra vale mais do que qualquer papel”.
CAINDO DO CAVALO
As principais dificuldades do clube e o plano da administração para o balanço voltar ao azul
Problemas
■ Dívida: 104 milhões de reais, entre IPTU, prêmios de corridas e impostos (IR, INSS e CPMF).
■ Queda de movimento: ao longo das últimas duas décadas, o público de apostadores caiu pela metade. Atualmente, são cerca de 4.000 pessoas, que gastam 7 milhões de reais por ano.
■ Sumiço de eventos: até 2010, o aluguel para shows da Chácara do Ferreira, na VilaSônia (Zona Sul), rendia 1 milhão de reais por ano. Em 2011, alegando problemas de infraestrutura, a administração do Jockey suspendeu o negócio. A falta de uso fez a prefeitura pedir a desapropriação da área, ainda em trâmite na Justiça.
Solução
■ Venda: o edifício da Rua Boa Vista está avaliado em 90 milhões de reais. Com esse dinheiro, a atual administração quer pagar grande parte da dívida, fazer uma reforma para modernizar as instalações do clube e renegociar o restante do passivo com a prefeitura e outros credores.