8. Os responsáveis pela criação do Viaduto do Chá e da Avenida Paulista
Ideias que deram mais mobilidade a São Paulo surgiram da cabeça dos estrangeiros Jules Martin e Joaquim Eugênio de Lima
O Viaduto do Chá libertou São Paulo do sufoco que a confinava aos limites da colina em que foi fundada. A Avenida Paulista expandiu-lhe os limites até o alto do morro que serve de divisor de águas entre os rios Tietê e Pinheiros. São as duas mais marcantes obras do período de transição entre a sonolenta cidade colonial e a metrópole. Por coincidência, surgiram da cabeça de dois estrangeiros — o francês Jules Martin e o uruguaio Joaquim Eugênio de Lima.
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Jules Victor André Martin (Montiers, França, 1832-São Paulo, 1906) chegou ao Brasil em 1868 e, depois de uma passagem por Sorocaba, radicou-se na capital da província. Dotado para o desenho, ele, que estudara belas-artes em Marselha, inaugurou em São Paulo, em 1870, uma oficina litográfica, a primeira da cidade. Entre outros trabalhos, ali imprimiria mapas de São Paulo de sua autoria — tanto da província quanto da capital — e projetos urbanísticos que pretendia ver implantados na cidade. Um deles previa uma galeria coberta que, serpenteando pelas ruas do centro, abrigaria quatro andares de lojas. Não vingou. Outro imaginava um viaduto que uniria a colina histórica ao outro lado do Vale do Anhangabaú, onde se situava o morro conhecido como “do Chá”, assim chamado por causa das plantações de chá que por ali vicejavam.
Aquela área começava a ser urbanizada. Nas chácaras pertencentes ao marechal José Arouche de Toledo Rendon e ao barão de Itapetininga — ambos cultivadores de chá —, traçavam-se ruas e vendiam-se terrenos. Não tinha mais sentido a canseira de descer a encosta da colina de um lado, atravessar a ponte sobre o Riacho Anhangabaú, lá embaixo, e subir a encosta do morro do outro lado. Em 1877, Jules Martin desenhou, apresentou à Câmara Municipal e pendurou à porta da oficina seu projeto de viaduto. Em 1879, modificou-o. Agora, em vez de suspensa, a ponte se assentava sobre um aterro, com uma passagem em arco, embaixo, por onde continuaria a fluir o Anhangabaú. Em 1885, ganhou da Câmara a concessão para realizar o projeto.
Depois de idas e vindas, uma subscrição para atrair investidores e a opção por uma estrutura metálica, toda ela importada da Alemanha, o viaduto foi finalmente inaugurado em 1892. Cobrava-se pedágio para atravessá-lo. Em 1896 foi encampado pela prefeitura, e a travessia passou a ser gratuita. Esse primitivo Viaduto do Chá, que tremelicava e se erguia sobre plantações e mato, foi substituído pelo atual nos anos 1930.
Joaquim Eugênio de Lima (Montevidéu, 1845-São Paulo, 1902) tinha diploma de engenheiro agrônomo, obtido na Alemanha, mas gostava mesmo era de agricultar na cidade. Com dois sócios, comprou terras no morro do Caaguassu, nome indígena cujo significado é “mata virgem” — e por aí se adivinha a configuração inóspita do lugar —, e teve uma grande ideia: traçar uma extensa e larga avenida que acompanhasse a crista da elevação. Reservou, de um lado e outro da avenida, terrenos amplos, próprios para mansões de luxo, com seus jardins e quintais. Joaquim Eugênio de Lima poderia ter previsto mais de uma via, acompanhando a crista do morro. Sua grande sacada foi fazer uma só. A cidade não conhecera, até então, avenida tão larga nem terrenos tão generosos.
A Avenida Paulista foi inaugurada em 8 de dezembro de 1891. Jules Martin é autor de uma aquarela em que registra o evento. Joaquim Eugênio de Lima traçou também ruas que corriam paralelas ou de atravessado à nova via, chamando-as de “alamedas” e batizando- as com o nome de cidades paulistas: Santos, Itu, Ribeirão Preto, Lorena… Com o novo bairro, a classe endinheirada da cidade galgava mais um degrau, no afã de afastarse dos baixios próximos aos rios, lugares considerados insalubres. Se o primeiro bairro rico, o dos Campos Elíseos, ainda ficava na parte mais baixa da área de expansão urbana, o segundo, Higienópolis, já começara a subir. Com a Avenida Paulista, chegava-se ao topo. Tão nova quanto a avenida seria a elite que ali se instalaria. Se os barões do café dominavam nos Campos Elíseos e em Higienópolis, a Paulista seria o lugar de preferência dos industriais, inclusive o maior deles, que em vez de um nome paulista da gema ostentava o de Francisco Matarazzo.