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2. Conheça a história de João Ramalho e Tibiriçá

Português tomou como esposa uma filha do cacique e formou-se entre eles uma aliança de sangue

Por Roberto Pompeu de Toledo
Atualizado em 14 Maio 2024, 09h08 - Publicado em 22 out 2010, 21h46

Manuel da Nóbrega e José de Anchieta estudaram ambos na Universidade de Coimbra, escreviam com desenvoltura e sabiam latim. Não teriam levado a cabo a tarefa de plantar um colégio no alto da serra, porém, não fosse a colaboração de uma dupla bem mais tosca: o português João Ramalho e o índio Tibiriçá. Como é que João Ramalho veio dar com os costados no Brasil é um mistério. Seria um náufrago? Um degredado dos que as naus lusitanas costumavam largar nas terras recém-descobertas? Calcula-se que tenha chegado por volta de 1510. Em 1532, ano da vinda de Martim Afonso de Sousa, comandante da pioneira expedição “colonizadora” enviada pelo governo de Lisboa, ele já era, serra abaixo, em São Vicente, e serra acima, no planalto conhecido pelos índios como “Piratininga”, uma espécie de chefe do pedaço.

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João Ramalho vivia entre os índios da região, com quem firmou parcerias que lhes garantiam vantagens nas guerras e nos negócios. Os negócios podiam ser de troca com outros grupos de índios mas também — e daí a importância de um europeu a comandá-los — de comércio de mercadorias ou de escravos para as expedições que passavam pelo litoral hoje paulista em direção ao Rio da Prata. Entre os índios aliados de João Ramalho, destaca-se o cacique Tibiriçá, tido como o principal dos líderes nativos na região. João Ramalho tomou como esposa, ou pelo menos como uma das esposas, talvez a principal, uma filha de Tibiriçá, Bartira. Formou-se então entre eles uma aliança de sangue que, se tem valor entre outras gentes, entre os índios tem mais ainda. É para toda a vida, e para o que der e vier.

O prestígio e a autoridade de João Ramalho garantiram uma boa acolhida a Martim Afonso, em 1532. Tibiriçá ajudou, e tomou-se de tais amores pelo comandante português, que quando foi batizado, e teve de optar por um nome cristão, escolheu o de Martim Afonso Tibiriçá. João Ramalho ainda prestou um favor extra a Martim Afonso: conduziu-o pelas trilhas que levavam ao alto da serra. A partir daí, os colonizadores ficaram sabendo que lá em cima se estendiam terras mais povoadas, mais férteis e mais ricas de promessas do que a estreita faixa litorânea em que se apertam as ilhas de São Vicente e Santo Amaro.

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Foi uma prévia do amparo que, vinte anos depois, se ofereceria a Nóbrega e Anchieta. A relação dos padres com João Ramalho foi conflitada. Eles o enxergavam como um bruto que andava nu, tinha várias mulheres e não respeitava os mandamentos cristãos, conforme se lê em suas cartas. Mas, ao mesmo tempo, apoiavam-se nele, e sem ele, e sem Tibiriçá, o projeto em que estavam envolvidos teria viabilidade zero. Tibiriçá, que se supõe ter sido chefe de uma aldeia estabelecida onde hoje é o Largo de São Bento, arregimentou os índios que viriam morar perto e seriam doutrinados pelos jesuítas. Ele e João Ramalho garantiram a segurança do local contra a investida de eventuais contrários.

Em 1562, deu-se um ataque que por pouco não risca do mapa a incipiente São Paulo. Segundo detalhado relato de Anchieta, uma coligação de nativos descontentes investiu sobre o povoado, manteve-o sob cerco durante dois dias e chegou a avançar sobre o quintal dos jesuítas. João Ramalho tomou a si a tarefa de comandar a resistência. E Tibiriçá revelou-se, nela, o mais valoroso dos combatentes. O cacique, chamado por Anchieta de “fundador e conservador da casa de Piratininga”, morreu naquele mesmo ano. Seus restos encontram-se na cripta da Catedral da Sé. João Ramalho morreu em 1580, em avançada idade. É o fundador da dinastia de mamelucos que, no século seguinte, terá lugar de destaque na empreitada comercial-militar conhecida como “bandeira”.

      

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