7. Da mula para o trem: sinal de modernidade
Em 1867 foi inaugurada a São Paulo Railway, popularmente conhecida como “a Inglesa”, estrada de ferro que ligava Santos a Jundiaí
A passagem da mula para o trem constituiu-se num momento de eufórico encontro de São Paulo com essa entidade sedutora mas esquiva, reconfortante mas tantas vezes ilusória, chamada “modernidade”. Nada contra a mula, muito pelo contrário. As mulas, durante três séculos, foram as responsáveis pela conexão de São Paulo com o restante do Brasil. Fortunas paulistas se fizeram empreitando as tropas de mulas que abasteciam as vilas surgidas junto às minas de ouro das Gerais. Antes de as mulas, animais fortes e resistentes, se disseminarem como o melhor meio de transporte, no Brasil, um paulista só tinha duas opções para descer e subir a Serra do Mar ou embrenhar-se pelo sertão: a pé ou carregado por outro ser humano, no caso um índio. No lombo da mula dom Pedro I subiu a Serra do Mar para, ao chegar ao Ipiranga… já se sabe.
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A cidade de São Paulo, situada no caminho entre o sul, de onde vinha a carne e onde eram criadas as próprias mulas, e, na outra ponta, o Rio de Janeiro, as Minas Gerais ou a Bahia, foi ponto de pouso das tropas. Os pousos conjugavam um pasto para as mulas com um rancho onde dormiam e se alimentavam os tropeiros. Os pousos de São Paulo ficavam nos matagais às margens do Rio Anhangabaú, no espaço onde hoje ficam o Largo da Memória e a Praça da Bandeira. O fato de ser pouso de tropa revela o caráter rústico da São Paulo de um período que vai além da metade do século XIX. Mas ainda bem que era pouso de tropa. A circunstância de estar no caminho a conservava no mapa. Livrou-a do esquecimento.
Eis que, em 1867, é inaugurada a São Paulo Railway, popularmente conhecida como “a Inglesa”, estrada de ferro que ligava Santos a Jundiaí. O trem é a outra face da moeda que, com o café, vai propiciar a arrancada paulista. Antes dele, o café era transportado no lombo das mulas. Enquanto a produção esteve confinada ao Vale do Paraíba, o sistema ainda se manteve viável, pela proximidade com o litoral. Mas o avanço dos cafezais para o interior paulista tornou urgente um sistema de transporte que abreviasse o tempo, garantisse a segurança e a durabilidade da mercadoria e diminuísse a despesa do transporte até o porto. Sem o trem não haveria a enorme expansão do cultivo do café. Mas sem o café também não haveria nem o capital nem o motivo para investir nos trens. É nesse sentido que são duas faces da mesma moeda.
Em vez de pouso de tropa, agora havia uma estação de trem, em São Paulo, situada no bairro da Luz — a princípio modesta, depois substituída, no mesmo lugar, por uma exuberante construção de modelo inglês, inaugurada em 1901. Em poucos anos, outras estradas de ferro se sucederam, tecendo uma abrangente malha no território paulista. Se a primeira delas foi obra de ingleses, as seguintes — Paulista, Mogiana, Sorocabana e outras — foram construídas com capital paulista.
Na viagem para Santos, necessariamente, as mercadorias — e os passageiros — cruzavam São Paulo. Quer dizer: a cidade de São Paulo, mais uma vez, teve a sorte de ficar no caminho. Isso, mais a sorte, consolidou São Paulo e aprumou-lhe o rumo que a transformaria em metrópole. A sorte esteve por conta de ser poupada de mortíferos surtos de febre amarela que assolaram tanto Campinas quanto Santos, as outras candidatas a virar o principal centro da prosperidade trazida pelo café. São Paulo, que além de ficar no caminho era mais salubre e, como capital da província, já possuía um centro administrativo mais bem estruturado, reuniu as condições que lhe permitiram disparar na liderança.
Em São Paulo se instalou o melhor comércio. Fixaram residência na cidade os maiores fazendeiros, levantando suas mansões nos novos bairros de Campos Elíseos e Higienópolis. Apareceram hotéis e restaurantes. O bonde de burro, que ao surgir, em 1872, já significava um avanço, foi substituído pelo bonde elétrico em 1900. No despontar do século XX, São Paulo já estava na plataforma de lançamento para virar metrópole.