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15. Dona Veridiana e Pagu: ícones femininos

Se uma cultivou café, a outra é a introdutora da soja no Brasil

Por Roberto Pompeu de Toledo
Atualizado em 14 Maio 2024, 09h07 - Publicado em 22 out 2010, 21h51

Ingredientes típicos da biografia das velhas senhoras paulistas marcam a trajetória de Veridiana Valéria da Silva Prado (1825-1910). Primeiro: casou-se aos 13 anos, com um homem catorze anos mais velho. Segundo: o marido era um tio, Martinho, estratagema comum quando se queria impedir a dispersão dos bens familiares. Terceiro: viveu os dez primeiros anos do casamento numa fazenda, a Campo Alto, em Mogi Mirim. Quarto: teve o primeiro filho aos 15 anos. Quinto: com 22 anos, já dera à luz cinco filhos, dos quais três sobreviveram. Sexto: até os 35 anos ainda teria mais três filhos.

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Dona Veridiana Prado é a mais emblemática das damas da era do baronato do café. Ela nasceu na casa do pai, Antônio Prado, na esquina das ruas Direita e São Bento. Nesta casa, três anos antes do nascimento da filha, Antônio Prado hospedara o príncipe regente dom Pedro, naquele ano de 1822 em que visitou São Paulo e, entre uma estripulia e outra, proclamou a independência do Brasil. Antônio Prado, que seria feito barão de Iguape, já era um homem rico, mas não por causa do café: a fortuna lhe vinha das tropas de mulas e do comércio.

O marido de Veridiana, este, sim, pega a época do café. À fazenda Campo Alto do início, mais e mais terras e cafezais se agregarão aos cabedais familiares. Veridiana e Martinho tiveram filhos que se destacaram: o mais velho, Antônio como o avô, foi ministro do Império e prefeito de São Paulo. O segundo, Martinho como o pai, o “Martinico”, destacou-se como líder republicano. Caio e Eduardo, os mais novos, foram intelectuais com ativa intervenção na política. A família foi a mais ilustre de seu tempo em São Paulo. Seus cafezais estendiam-se de Mogi Mirim a Ribeirão Preto. Veridiana, que orientava os filhos, arranjava-lhes casamento e influenciava nos negócios, pairava sobre o seu reino como sua contemporânea, a rainha Vitória, sobre o dela.

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A vida de dona Veridiana teve também ingredientes muito pouco típicos de uma senhora de sua estirpe. Primeiro: separou-se do marido. Segundo: passou então, aos 53 anos, a ter ativa presença na sociedade. Terceiro: comprou em seu nome um terreno no que é hoje a esquina da Avenida Higienópolis com a rua justificadamente chamada de Dona Veridiana e ali edificou uma mansão de estilo francês. Quarto: com interesse pela cultura, reunia artistas e intelectuais em seus salões.

Patrícia Rehder Galvão (1910-1962), a “Pagu”, nasceu no ano em que dona Veridiana morreu. Mas isso não indica uma passagem de bastão. É outro tipo de mulher, de outra era e outra têmpera. O fio que as une neste texto é que são duas mulheres fortes, com atuações que as tornam históricos ícones femininos na vida da cidade. Nascida em São João da Boa Vista e estabelecida com a família em São Paulo aos 2 anos, Pagu fez tudo o que uma moça bem-comportada não devia fazer. Primeiro: apaixonou-se aos 12 anos pelo ator Olympio Guilherme e teve com ele sua precoce iniciação sexual. Segundo: aos 15 anos já publicava textos e desenhos nos jornais. Terceiro: meteu-se com os modernistas, especialmente o casal Oswald de Andrade-Tarsila do Amaral. Quarto: aos 18 anos, roubou Oswald de Tarsila (“Se o lar de Tarsila vacila / É por causa do angu de Pagu”, escreveu Oswald). Quinto: aos 21 anos, entrou para o Partido Comunista.

Uma alternância inacreditável de ousadias e sofrimentos vai compor daí por diante sua vida. Entre as ousadias, contam-se: ter resistido com um revólver na mão à invasão do jornal ‘Homem do Povo’, que editava com Oswald; ter, muitos anos depois, esbofeteado Adhemar de Barros durante visita do então interventor em São Paulo à Casa de Detenção onde se encontrava presa, no Rio. Entre os sofrimentos: ter passado fome enquanto, em obediência a determinações do partido, levava vida de proletária; ter permanecido presa por quatro anos e meio, e sido torturada repetidas vezes; ter tentado o suicídio em duas ocasiões. No intervalo entre as ousadias e os sofrimentos, construiu uma obra literária desigual.

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De 1933 a 1935, Pagu rodou o mundo. Esteve nos Estados Unidos, Japão, China, Rússia, Polônia, Alemanha e França. Entre outras mirabolantes aventuras, conheceu Freud numa travessia de navio e ficou amiga do último imperador chinês, Pu Yi, com quem passeava de bicicleta no palácio e que a alturas tantas a presenteou com dezenove mudas de uma planta desconhecida no Brasil. Pagu encaminhou as mudas ao Brasil via cônsul do Brasil em Kobe (Japão), o poeta Raul Bopp, e com isso perpetrou a façanha mais surpreendente de sua biografia. As mudas eram de soja. Pagu é a introdutora da soja no Brasil. Surge um paralelo entre ela e dona Veridiana quando se lembra que, se Veridiana cultivou café, Pagu repicou com uma contribuição de alcance ainda maior à agricultura brasileira.

 

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