Teste de paciência: capital sofre com falta de exames de Covid-19
Problema faz hospitais restringirem atendimento, acarreta longas filas e atrapalha o funcionamento de serviços e comércios na cidade
Com fortes dores de garganta, tosse e febre, a secretária-executiva L.A., que prefere não se identificar, procurou a Unidade Básica de Saúde (UBS) Mooca 1, na Zona Leste de São Paulo, no último dia 13. Chegou às 16 horas, três horas antes do fechamento do posto. Teve o atendimento recusado e não conseguiu fazer o exame de Covid-19. O motivo alegado: os testes haviam acabado. Horas depois, em um laboratório particular, acabou diagnosticada com a doença. “Nem sequer mediram minha febre na UBS, um descaso total”, reclama. A Secretaria Municipal de Saúde não comenta o caso, apenas mais um exemplo do “apagão de exames” que acometeu a cidade neste início de ano.
A ômicron, mais transmissível do que as outras cepas, levou a capital a superar o número de casos do pico da pandemia — chegou a 6 928 registros no dia 13, superior ao antigo recorde de 6 801 em 17 de março de 2021. Não fosse a falta de testes, os dados seriam mais altos.
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A escassez obrigou hospitais e laboratórios a priorizar quem pode ou não fazer o exame. Diversos serviços só atendem grupos prioritários ou casos graves. É a opção da Rede D’Or, que administra, entre outros, o Vila Nova Star e o São Luiz. Desde o dia 12, os testes de Covid são feitos apenas em pacientes com indicação clínica, internados ou profissionais de saúde. Nas unidades de pronto atendimento do Albert Einstein, testes RT-PCR só são aplicados em pacientes mais graves, após avaliação médica. No Sírio-Libanês, os resultados têm demorado até 72 horas, o triplo do prazo normal, de 24 horas.
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A cena é parecida nos laboratórios e farmácias. Na rede de laboratórios Hermes Pardini, com sete unidades na capital, a demanda pelo RT-PCR aumentou 187%. (Chama atenção a taxa de resultados positivos: 54,2%.) Na unidade de Pinheiros do Labi, que atende por ordem de chegada, a previsão era de três horas e meia de espera no início do atendimento (às 7 horas) do dia 14, com longa fila antes da abertura das portas. A alta levou a rede CDB a destinar uma unidade inteira para testes de Covid, a da Ana Rosa. Nas farmácias RD-RaiaDrogasil, o agendamento está suspenso devido aos estoques zerados e sem prazo para a reposição. Entre 3 e 9 de janeiro, as 1 489 farmácias que fazem testes no estado de São Paulo aplicaram 145 468 exames, segundo dados da Abrafarma. Do total, 46 100 (ou 32%) deram positivo.
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Houvesse exames em abundância, seria mais fácil conter a doença, dizem os especialistas. “Se você não sabe que está positivo, pode sair e infectar outras pessoas”, diz o epidemiologista Pedro Hallal, da Universidade Federal de Pelotas. A disseminação do vírus afetou serviços e o comércio. Nada menos que 620 agências bancárias da Grande São Paulo fecharam as portas, com 1 500 funcionários afastados. Calcula-se que um em cada cinco funcionários do comércio testou positivo para Covid-19. “Na dificuldade de fazer o teste, a pessoa suspeita é afastada”, diz o empresário Michel Zakka, da rede Preçolândia, que teve um desfalque de 20% nas lojas.
O governo João Doria (PSDB) prometeu a compra de 3 milhões de testes rápidos. Ricardo Nunes (MDB), ante a uma ameaça de greve de médicos nas UBSs, anunciou que vai contratar 700 profissionais para reforçar a rede municipal.
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O boom dos exames não tinha sido previsto pela indústria, segundo Carlos Eduardo Gouvêa, presidente da Câmara Brasileira de Diagnóstico Laboratorial. Conforme a vacinação avançou, casos e hospitalizações se reduziram, a demanda de testes se retraiu, dando a entender que a Covid estava nos dias finais. “A população teve a mesma impressão e baixou a guarda. Tivemos a tempestade perfeita”, ele diz. A demanda mundial agravou a situação, além de voos cancelados que prejudicaram as importações. As empresas devem receber 13 milhões de testes até o fim do mês, o que deve solucionar a questão.
Gouvêa acredita que a liberação dos autotestes, aplicados pelos próprios usuários, teria sido uma forma de aliviar a pressão nas unidades de saúde. A Anvisa, porém, negou a permissão. O autoteste também é aprovado pelo sanitarista Gonzalo Vecina Neto, ex-presidente da Anvisa. “É um pouco menos preciso, mas tem nível de exatidão alto”, ele afirma. Sobre a necessidade de notificar os resultados positivos, Vecina lembra o exemplo da Inglaterra, onde existe um QR code para informar as autoridades de saúde.
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Publicado em VEJA São Paulo de 26 de janeiro de 2022, edição nº 2773