No Teatrokê espectadores se tornam atores por um dia
Na peça, pessoas comuns sobem ao palco para viver cenas ao lado de artistas profissionais
Você já pensou em ser ator? Pelo menos por alguns minutos? Pois, agora, essa possibilidade existe. Lançado em abril, o espetáculo ‘Teatrokê’, em cartaz às terças-feiras no Teatro do Centro da Terra, no Sumaré, tem uma proposta interativa. Mas, fique calmo, ninguém arrastará você para a cena e o fará pagar mico. Sob a direção de Ricardo Karman, o elenco da Kompanhia do Centro da Terra protagoniza quinze cenas criadas com base em textos dos dramaturgos Marcelo Rubens Paiva, Samir Yazbek e até William Shakespeare. A ideia caiu nas graças dos espectadores e não faltam candidatos cedendo aos apelos do mestre de cerimônias vivido pelo ator Gustavo Vaz. Nas seis sessões realizadas, os 100 lugares da pequena e pouco conhecida sala foram tomados e, em alguns dias, mais de cinquenta pessoas voltaram para casa devido à lotação.
O ‘Teatrokê’ lembra a moda do karaokê, que leva muitos desafinados a soltar a voz — quase sempre a plenos pulmões — diante do microfone. Esse projeto, porém, prima por um acabamento mais profissional. Para todos os esquetes há uma preocupação com os cenários e figurinos, mas o que ajuda muito é o ponto eletrônico, um dispositivo que transmite, através de um fone de ouvido, o texto que deverá ser dito pelo espectador/ator. “Há dezoito anos estudava a melhor forma de colocar em prática a ideia, tratando bem o público e jamais rindo do constrangimento alheio”, afirma Ricardo Karman. Quem participou endossa que a intenção é bem-sucedida. A gerente de recursos humanos Inês Casentini, que, no último dia 25, foi ao ‘Teatrokê’ acompanhada por dez colegas, se divertiu bastante. “Eles me deram uma peruca. Imaginei que faria uma prostituta e pensei no papel vivido por Julia Roberts no filme Uma Linda Mulher”, conta Inês, que interpretou uma personagem inspirada na ex-garota de programa Bruna Surfistinha. Uma semana depois, a administradora Viviane Franco foi chamada para a mesma cena. “Eu me ofereci por impulso e adorei”, diz ela.
Ao contrário de Inês e Viviane, o terapeuta Carlos Eduardo Caruso já conhecia os palcos. O fato de ser baterista de uma banda de rock, no entanto, não tornou a experiência menos desafiadora. “Só descobri o personagem em cena e pensei que tinha me metido em fria”, afirma Caruso, que divertiu a plateia em ‘Na Loja de Chapéus’, de Karl Valentin. Mais sorte teve o sociólogo Danilo Oliveira Guirro. Ao chegar ao camarim, onde encontrou canapés, água, suco, conhaque e uísque, ele vestiu o figurino e recebeu orientações de expressão corporal do ator Xande Mello, com quem dividiu uma cena de ‘O Auto da Compadecida’, de Ariano Suassuna. “Quando soube que ia interpretar o Chicó, fiquei menos nervoso, porque conhecia a história”, conta Guirro.
Na última terça-feira (1º), este repórter serviu de cobaia. Cheguei ao camarim e a figurinista me deu uma camisa e óculos de grau. “Você vai ser um escriturário”, deixou escapar ela, justificando as roupas sóbrias. Recebi as orientações para usar o ponto eletrônico. Bastava repetir imediatamente o texto soprado. Confesso que tomei uma dose de conhaque para “aquecer a voz”. Sentado atrás de uma mesa, interpretei, ao lado de Xande Mello, a comédia ‘Clodovil’, escrita por Jô Bilac, sobre um funcionário público — meu papel — que debocha de um cidadão homônimo do estilista. Por cinco minutos, só enxerguei o ator à minha frente e nem pensei em observar a reação do público (se é que houve alguma). No ‘Teatrokê’, tudo certamente é mais fácil que em uma peça profissional, mas o friozinho na barriga… Esse deve ser bem parecido.