Sítio arqueológico na Liberdade pode virar memorial da cultura negra
Após demolição de prédio, foram encontradas nove ossadas com mais de 200 anos no terreno
Em julho de 2018, um prediozinho na rua Galvão Bueno acabou demolido indevidamente para a construção de mais um centro comercial na Liberdade, bairro que, desde as primeiras décadas do século XX, recebe imigrantes orientais. Após uma denúncia do Departamento do Patrimônio Histórico (DPH), foram encontradas nove ossadas com mais de 200 anos enterradas a cerca de 1 metro da superfície.
O terreno particular de 400 metros quadrados, com sua obra atualmente embargada, fica ao lado da pequena e deteriorada Capela de Nossa senhora dos Aflitos, bem tombado em 1991 por causa do seu valor histórico. O entorno, protegido pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental (Conpresp), serviu no século XIX como o primeiro cemitério público da capital, destinado a escravos e excluídos, enforcados no Largo da Liberdade, ao lado de um pelourinho. Entre eles, destaca-se o cabo Chaguinhas, que, segundo a história, ia ser enforcado, mas a corda se rompeu.
Ainda assim, ele acabou sendo morto em 1821 e virou objeto de pedidos para milagres até hoje na capela. “Uma das ossadas foi encontrada com contas de vidro no pescoço, dedicadas a Ogum, de religião de matriz africana”, diz Lúcia Juliani, diretora da A Lasca, empresa contratada para consultoria arqueológica em agosto de 2018.
Com a descoberta, movimentos sociais reivindicam a criação de um memorial no terreno. “Trata-se da memória de um local de tortura de escravizados que não pode ser esquecida”, afirma Tadeu Kaçula, fundador da Nova Frente Negra Brasileira. Após audiências públicas, a Câmara Municipal de São Paulo discute dois projetos de lei protocolados pelo vereador Reis (PT) para a criação de um Memorial dos Aflitos e a desapropriação do terreno particular.
Publicado em VEJA SÃO PAULO de 8 de janeiro de 2020, edição nº 2668.