“Esperamos há três anos para investir no calçadão”, diz CEO do Santander
Sergio Rial, responsável pela criação do Farol, afirma que empresariado precisa ver menos burocracia da prefeitura para voltar ao Centro
Raro banco a investir no centro da cidade, quando seus concorrentes se espalham pelo circuito Faria Lima-Berrini ou deixam a cidade, o Santander já levou 1 000 funcionários para o Farol Santander, aberto há três anos no antigo “Banespão”, e para um outro prédio histórico na esquina da Rua Boa Vista com a João Brícola, onde funcionam uma central de assessores financeiros, um coworking e um café.
Responsável pela criação do Farol no prédio antes pouco utilizado pelo banco espanhol, o CEO Sergio Rial não esconde a decepção com os passos vagarosos da recuperação da área. Em conjunto com a B3, antiga Bovespa, ele espera há quase três anos a permissão da prefeitura para fazer uma reforma e patrocinar novo mobiliário urbano, piso, iluminação e zeladoria daquele trecho do calçadão.
Rial também fala sobre arte nos caixas eletrônicos e o “esquenta” para o centenário da Semana de 22.
Qual o balanço que o senhor faz dos três anos do Farol Santander?
É um sucesso muito maior do que nós esperávamos aqui no banco. Foi um presente para São Paulo que os paulistanos gostam de usar. Nada é pior que um presente que ninguém usa. Também entrou no roteiro turístico da cidade. Mas a região não melhorou no mesmo ritmo. Onde gostaria de ter visto maior avanço é no envolvimento do setor público. Tanto a B3 (antiga Bovespa), quanto o Santander querem investir naquele calçadão. Nosso projeto é de fazer uma Rambla brasileira, com segurança, limpeza, zeladoria, iluminação. O tempo urge, vai passando, e nada acontece.
Por que atrasou?
Não devem faltar explicações para o que não é feito, como é comum em gestão. O que não significa que seja justificável. Qualquer coisa que não anda, nem começou em três anos, não se justifica, em uma cidade carente de um centro que volte a pulsar.
Qual a proposta do Santander?
Aquela área precisa proporcionar de volta o prazer de caminhar. É belíssima. Além do Farol, abrimos um café lá, transferimos 1 000 funcionários para o Centro. No início, até havia preconceito. Precisamos contratar segurança para quem sai depois das 20h. Com o metrô, a infraestrutura, a localização, foi bem aceito. Mas a sociedade precisa pressionar mais. O mundo privado está disposto a investir no Centro, não somos os únicos. Estamos preparados para investir ali, mas não podemos sair fazendo, precisamos desse o.k. da prefeitura.
“Somos reféns de uma hipoteca cara chamada segurança.
Se o Centro se tornasse nossa área mais segura, os condomínios poderiam
ser mais baratos, sem tanto guarda privado,
e atrair mais moradores”
Mas hoje em dia há poucas grandes empresas no Centro. Pior: muitas estão devolvendo andares, esvaziando prédios, estimulando home office ou se mudando para o interior. Vocês conseguiriam atrair mais parceiros?
Sem a menor dúvida. Com a pandemia, não existe uma única empresa que não esteja reorientando o uso de sua estrutura física. Nesse repensar, parte do que é necessário no dia a dia das empresas faz o Centro se tornar uma alternativa viável.
Então o custo ajudaria na decisão?
Mas o líder tem de fazer um certo convencimento, mostrar indícios concretos de que “vale a pena”. Não pode ser apenas pelo “custo menor”, você não abre mão do bem estar dos funcionários. Agora, se você os convence, tem um impacto automático em bares, restaurantes, na hora do almoço, eventualmente em hotéis, os empregos que surgem. Mas, quando se espera por muito tempo por uma licença, uma autorização, perde-se o custo de oportunidade por não termos celeridade. O risco é maior.
Os custos são mais baratos no Centro, mas poucos prédios foram atualizados tecnologicamente. Como resolver reformas que podem ser caras e lentas?
O custo do aluguel é estruturalmente mais barato, mas precisamos ter mais retrofits residenciais e de escritórios. Também precisamos ter IPTUs e condomínios menores. O brasileiro é refém de uma cara hipoteca chamada segurança. Se o centro da cidade se tornar a região mais segura de São Paulo, os novos condomínios não precisariam gastar tanto com segurança, reduzindo o seu valor, que é muito alto, o que facilitaria a vinda de famílias para morar no centro.
Mas retrofit não pode ser mais caro que construir do zero?
Acho que os bancos poderiam fazer linhas de financiamento diferenciadas para construtoras que se dispusessem a retrofitar prédios antigos, a modernizá-los por dentro.
Muitos dizem que, enquanto a população em situação de rua continuar crescendo no Centro, será difícil atrair mais moradores e empresas. O que fazer? É preciso lembrar que São Francisco, a capital do Vale do Silício, o maior polo de tecnologia do mundo, cidade rica, tem milhares de pessoas vivendo nas ruas. Há muitos anos. E tem ONGs, dinheiro público, albergues e tudo o mais, e estão muito longe de resolver o problema. Digo isso para deixar claro que não se trata de uma questão simples, com respostas simples. Há motivos variados que levam pessoas a morar nas ruas, e precisam de políticas diferentes. Talvez a Europa tenha melhores programas e que deveríamos estudar. Dito isso, acho que a iniciativa privada se uniria ao poder público para tentar enfrentar essa tragédia. Mas precisa ter uma iniciativa pública aí.
No aniversário de São Paulo, o Santander inaugurou noventa caixas eletrônicos que receberam intervenções de artistas da cidade. Como os artistas reagiram?
Alguns artistas eu conheço, é inusitado para eles pela complexidade do aparato, conectar arte em um equipamento metálico retangular, nada óbvio. Não se trata de um adesivo. O que eu tinha vontade de fazer é um grande mural, nem que seja virtual, do mosaico de todos reunidos. Um totem. Se nós somos capazes de fazer isso em um caixa eletrônico, imagina o que não poderíamos fazer em todos os viadutos de São Paulo. Integrá-los à vida urbana e não apenas à concretude do transporte urbano. Singapura tem envelopado de verde os seus, as- sim como a Cidade do México. A natureza brasileira poderia inteferir nesses grandes objetos de concreto na cidade (e nada contra o concreto, mas abraçar o concreto). Ou chamar artistas.
“Se caixa eletrônico pode servir de suporte
para a arte, imagina o que dá
pra fazer nos nossos viadutos”
Houve patrulha? Por ser em caixa eletrônico?
É muito interessante, quando você está se abastecendo, se confrontar com um objeto de arte, não só com uma máquina. Não existe espaço ideal para a arte, ela pode existir em qualquer lugar. Há equívocos do novo século de tirar importância do que é importante, de clichês ideológicos. A sociedade do século XXI não precisa de bancos, mas precisa de produtos e serviços financeiros. Que estão em processo de transformação nos bancos tradicionais, nos genuinamente novos, em concorrência transparente. Há um sentido claro do seu papel e também do mecenato.
Como?
A gente vai em busca dos artistas, sendo que a arte não foi o assunto mais debatido no país dos últimos dezoito meses. É ótimo que esteja no cotidiano das pessoas. Um colírio para um olho ressecado. Não temos nada de perfeitos, mas o papel construtivo, com dúvidas, onde vieses de direita e esquerda nos fazem perder essa visão.
O senhor tem falado do centenário da Semana de Arte Moderna. O que poderíamos fazer?
Eu acho que deveríamos fazer pré-esquentas. Por isso pensei nos viadutos, nos caixas eletrônicos, onde as pessoas estão. São Paulo é uma cidade que já se atreveu a ousar em padrões de arte, literários, fora dos impostos pela cultura europeia. Foi um ato libertador, em busca de brasilidade, diversidade, sincretismo. Nunca foi tão importante resgatar o papel da arte na concepção das ideias. O que seria uma semana de modernismo em 2022? Que simbologia temos a resgatar? O que significa ser urbano ou morar na cidade mais rica do país? Hoje, as ideias estão até mais confusas, pela revolução tecnológica. A tecnologia anda mais rápida que nossa capacidade cognitiva.
Publicado em VEJA SÃO PAULO de 10 de fevereiro de 2021, edição nº 2724.