São Paulo sofre com o trânsito engarrafado
Levantamento da Fundação Getulio Vargas mostra que São Paulo perde anualmente 33,5 bilhões de reais por causa dos congestionamentos
Em uma cidade com frota oficial de 6,1 milhões de veículos – 4 milhões deles em circulação, segundo a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) –, as distâncias têm se tornado cada vez mais relativas. O mesmo caminho pode ser percorrido em poucos minutos ou em algumas horas, dependendo de uma série de variáveis, como período do dia e condição atmosférica. Acertar o tempo exato que se leva de um ponto a outro de São Paulo virou tarefa para engenheiros de tráfego e matemáticos. Rádios e sites especializados em trânsito passaram a ser artigos de primeira necessidade. Assim como o clima, o índice de lentidão agora é assunto de conversas de elevador. Ainda que a contragosto, o trânsito engarrafado faz parte da rotina – e das preocupações – de todos os paulistanos, independentemente da classe social.
Esse é um problema que não pára de crescer. Entre janeiro e maio deste ano, 142.000 carros saíram das concessionárias, um número 32% maior que o do mesmo período no ano passado. Todos os dias, os 17.000 quilômetros de vias de São Paulo recebem 950 novos carros, ônibus, caminhões e vans. É como se a frota inteira de Ribeirão Preto invadisse São Paulo anualmente. Desde 1950, a população paulistana quintuplicou, enquanto o número de veículos cresceu oitenta vezes (veja quadro ). O resultado desse boom são sucessivos recordes de engarrafamentos. Nos últimos doze anos, a média de lentidão no pico da manhã (entre 7 e 10 horas) aumentou 40%. Pela primeira vez na história, ultrapassou-se a marca dos 260 quilômetros de congestionamento, no dia 9 de maio, quando um caminhão que carregava toras tombou no acesso à Rodovia Presidente Dutra e um derramamento de óleo paralisou a Avenida Giovanni Gronchi, no Morumbi (foram registrados 266 quilômetros de lentidão). De 2006 para 2007, a velocidade média dos veículos nas ruas da capital caiu de 29 para 27 quilômetros por hora.
Uma pesquisa da Fundação Dom Cabral realizada entre 2004 e 2007 mostra que, por causa do acúmulo de carros, os congestionamentos demoram cada vez mais a se dissipar. “A tendência aponta para uma lentidão permanente, como se o horário de pico durasse o dia inteiro”, afirma o engenheiro Paulo Resende, responsável pelo estudo. “Se tudo continuar exatamente como está, a cidade vai parar em cinco anos.” Para boa parte dos especialistas, no entanto, a previsão catastrófica é um exagero. O dia do tudo-parado-para-sempre, garantem eles, dificilmente chegará. “Nos próximos anos teremos alguns alívios, como a conclusão do Rodoanel e a inauguração de novas linhas de metrô”, diz o engenheiro de transporte Jaime Waisman, professor da Universidade de São Paulo.
Além de roubarem dos cidadãos um tempo que jamais será recuperado, os engarrafamentos afetam a economia e queimam milhões de litros de combustível. Um estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV) divulgado em maio estima que as perdas atinjam 33,5 bilhões de reais por ano, o equivalente a 12% do produto interno bruto (PIB) da cidade. É a soma dos 27 bilhões de reais que deixamos de produzir enquanto ficamos parados com outros 6,5 bilhões, resultado do aumento de gastos com combustíveis, saúde pública e transporte de cargas. “A crise de mobilidade de São Paulo afeta o país inteiro”, afirma o professor de economia e vice-presidente da FGV, Marcos Cintra, autor da análise. O anda-e-pára paulistano reduz em 5% a produtividade do Brasil, segundo um levantamento de dezembro do ano passado do Citigroup.
Os engarrafamentos também matam. No recordista 9 de maio, 55 ambulâncias dos bombeiros ficaram paradas no trânsito. Com tráfego bom, elas levam em média sete minutos para chegar ao local onde foram solicitadas. Quando tudo trava, podem demorar até quarenta minutos. Resultado: a taxa de sobrevivência de uma pessoa com parada cardíaca na cidade gira em torno de 2%, enquanto no interior atinge 8%. Para prestar socorro mais rapidamente, o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) estuda equipar os veículos com GPS e laptop. Uma maneira de se adaptar, à força, à realidade dos congestionamentos. Algumas empresas também vêm se adequando. A FGV, por exemplo, decidiu montar uma unidade na Avenida Luiz Carlos Berrini, no Brooklin, só para atender alunos que trabalham nos vários edifícios comerciais da região. Muitos não conseguiam chegar a tempo para as aulas na sede da Avenida Nove de Julho. “Esse foi um dos principais motivos da expansão”, explica Paulo de Mattos Lemos, superintendente da FGV Management.
Em diversas edições, Veja São Paulo publicou as idéias de especialistas para melhorar o trânsito da cidade. Muitas delas são velhas conhecidas, como o investimento maciço em transporte público, o cerco aos carros irregulares e a cobrança de pedágio nas regiões centrais. Algumas são caras e estão sujeitas a verbas nem sempre existentes. Outras dependem apenas da coragem dos governantes. Nas doze reportagens a seguir, o leitor poderá constatar como a situação chegou a esse nível catastrófico, seu reflexo no dia-a-dia dos paulistanos e como os moradores lidam com o caos – que não dá sinais de que ficará mais brando.