Ricardo Cardim, o caçador de tesouros verdes
Pesquisador abastece blog ao divulgar espécies raras encontradas ao redor da capital
Muito antes de o termo sustentabilidade se tornar lugar-comum, o botânico Ricardo Henrique Cardim já andava pela cidade com sementes dentro dos bolsos. A mania chegou a ser motivo de chacota entre os colegas. Não era usual um garoto com menos de 10 anos falar tanto em meio ambiente, citando de cor nomes de espécies da flora brasileira, como açoita-cavalo e embiruçu. “Inventei jeitos de recolher as plantas sem ninguém perceber, como fingir que amarrava os cadarços”, recorda. Hoje, aos 33 anos, a paixão pelo verde continua a falar alto. Cardim escreve o blog Árvores de São Paulo, no qual divulga espécies raras encontradas ao redor da capital, além de dados curiosos e pensatas ecológicas. Uma das estrelas mais recentes da página foi um tipo de orquídea habenaria, que ele localizou no câmpus da Universidade de São Paulo e se tornou destaque na rede.
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Com cerca de 1.500 acessos diários na internet e aparições frequentes nos jornais, Cardim chama atenção no meio por unir conhecimento técnico a engajamento. Em 2010, foi um dos três finalistas do Prêmio Empreendedor Social, entregue pela Fundação Schwab e pelo jornal Folha de S.Paulo, por ter conseguido que a prefeitura transformasse em parque uma área de cerrado no Jaguaré, na Zona Oeste. O local será aberto para visitação até o fim do ano, tornando-se o primeiro espaço do gênero na cidade com esse bioma.
A descoberta aconteceu por acaso, em 2009. “Ao abastecer o carro em um posto de gasolina próximo, vi que ao fundo havia a mesma vegetação da década de 40.” Entusiasmado com a conquista, Cardim passou a defender destinação semelhante para 20.000 metros quadrados de cerrado em duas áreas do câmpus da USP. No último dia 5, a causa teve mais um avanço. As terras se tornaram reservas de preservação, restauração e estudos. “São Paulo é uma cidade de riquíssima biodiversidade, mas 80% da vegetação é de origem estrangeira”, diz. “Essa é uma das coisas absurdas da nossa metrópole.”
O blog também ganha repercussão por levantamentos feitos para incitar a reflexão sobre o verde na capital. Alguns são de produção simples, como o mais recente da página, no qual uma comparação de fotos de satélite do Google desde o ano de 2002 mostra como a mata nativa pode se regenerar com fôlego, especialmente em locais abandonados. “A ideia é enfatizar que nossa riqueza pode ser recuperada.”
Hoje, além da atuação na internet, o paulistano de Moema trabalha como consultor de paisagismo para projetos arquitetônicos. “Um dos diferenciais dele é um telhado verde com vegetação nativa, que insiro em todos os meus projetos”, diz o arquiteto Octávio de Siqueira, que costuma recorrer a seus serviços.
O caminho na história do menino que queria proteger a natureza e se tornou um botânico destacado teve um desvio de rota. Na adolescência, tudo indicava que trabalharia na área. Aos 16 anos, um tio lhe cedeu uma área de 1.000 metros quadrados em um sítio em Pedra Bela, na divisa com Minas Gerais, para que fizesse suas experiências e erguesse ali sua mata apenas com árvores tipicamente brasileiras. Por pressão dos pais e familiares, porém, optou pela graduação em odontologia, vista como mais rentável.
Depois de trabalhar em consultório durante oito anos, com rendimento médio de 10.000 reais mensais, começou a se afastar da profissão e em 2009 ingressou em mestrado sobre os anéis de crescimento de árvores tropicais. “Estou muito mais feliz agora”, diz Cardim. “Poucos biólogos têm essa disposição toda para defender o meio ambiente”, afirma Nanuza Menezes, professora do departamento de botânica da USP. Quem está por perto, como ela, percebe a animação.
DA ODONTOLOGIA À BOTÂNICA
Idade: 33 anos
Origem: paulistano de Moema
Atuação: ambientalista e consultor de projetos arquitetônicos
Formação: graduação em odontologia na Universidade Santo Amaro (Unisa) e dois
mestrados na USP, em odontologia e botânica
Blog: arvoresdesaopaulo.wordpress.com, no qual mostra raridades da capital
Feito: ao identificar espécies em extinção, ajudou na transformação de uma área de cerrado no Jaguaré em parque, que deve ser aberto ao público neste ano
MORADORAS ILUSTRES
Algumas espécies raras de cerrado que podem ser encontradas na capital
Murici-do-campo (Byrsonima intermedia)
Produz pequenos frutos que têm sabor parecido com o do queijo. Seu primeiro registro é de 1911, quando a espécie era encontrada na Avenida Paulista, na Vila Mariana, no Ipiranga e em Santana.
Lantana (Lantana sp.)
Presente nos três terrenos de cerrados urbanos de São Paulo (dois no câmpus da USP e um no Jaguaré), a planta é conhecida por atrair grande número de abelhas.
Língua-de-tucano (Eryngium paniculatum)
Vegetação rasteira e parecida com um pé de abacaxi, tem também importância histórica. O padre José de Anchieta usava as fibras dela para fazer suas sandálias no século XVI.
Língua-de-vaca (da família Asteraceae)
Erva que brota nas touceiras (árvores com o caule cortado que permanecem vivas no solo), chamada também de barba-de-bode.