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Projeto busca restaurar painel depredado de Di Cavalcanti no centro histórico

Mural no Edifício Triângulo, projetado por Niemeyer, foi pichado na Virada Cultural deste ano

Por Laura Pereira Lima
5 jul 2025, 08h00
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Painel do Edifício Triângulo, no centro histórico (Leo Martins/Veja SP)
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Em 2024, o Teatro Cultura Artística reabriu após dezesseis anos fechado. Na fachada, um mural enorme e colorido, de 48 metros de comprimento e 8 metros de altura, salta aos olhos de quem passeia na região da Praça Roosevelt, no centro. Trata-se de Alegoria das Artes, painel de Emiliano Di Cavalcanti (1897-1976), restaurado entre 2010 e 2011.

Perto dali, outra obra do grande artista carioca encontra-se em estado bem diferente. Em uma esquina pouco iluminada, o painel Os Operários quase passa despercebido na fachada do Edifício Triângulo — projeto do arquiteto Oscar Niemeyer. Durante a Virada Cultural, em maio, o painel foi alvo de uma pichação que agora cobre seus traços. Não foi a primeira vez que a obra foi depredada.

Segundo Everaldo Santos, zelador do prédio há 28 anos, o mural já foi pichado dez vezes nas duas últimas décadas, quatro delas justamente durante o evento que objetiva exaltar as artes. Everaldo fiscalizou a limpeza dos “pixos”, mas conta que a tinta deixa suas marcas no rejunte. A última ainda continua lá porque passa por um inquérito policial para identificar os culpados. Outro dano, ainda perceptível, é decorrente de uma fogueira acesa por moradores de rua na década de 90. O fogo destruiu parte das pastilhas de vidro que compõem o mural, substituídas por outras brancas sem nenhuma preocupação em manter o desenho e o material originais.

Agora, a obra de arte parece ter, enfim, a atenção que merece. Para tirar o mural do abandono, a restauradora Isabel Coelho, responsável por reparar o painel do Cultura Artística ao lado de Gonçalo Ruas, inscreveu, na quinta (3), um projeto no Promac (Programa Municipal de Apoio a Projetos Culturais). Se aprovado, pessoas físicas e jurídicas poderão se cadastrar como incentivadoras no site Porta de Entrada, da prefeitura, e destinar até 20% de seus impostos municipais (ISS e IPTU) ao restauro. “Queremos também requalificar o foyer, retirando elementos que interferem na obra, como a porta de correr instalada inadequadamente no meio do painel, e colocar uma proteção na entrada”, explica Isabel, que planeja ainda iluminar o local e instalar uma porta de proteção.

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Gonçalo Ruas e Isabel Coelho: dupla por trás do restauro do teatro Cultura Artística investiga requalificação do Edifício Triângulo (Inês Bonduki/Divulgação)

Isabel já tentou iniciativa semelhante em 2020. Na ocasião, o Promac aprovou o projeto, mas ela não conseguiu captar os recursos necessários para o restauro. “Estávamos ocupados com outros projetos na época, mas esse agora é nossa prioridade”, justifica a restauradora.

O mural é tombado pelo Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo), pela resolução nº 04/2004. Questionada sobre o caso mais recente de depredação, a Secretaria Municipal de Cultura afirmou que, por pertencer à iniciativa privada, “a limpeza e a conservação são de responsabilidade do proprietário”.

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O advogado Davi Pillon, síndico e dono de um escritório no edifício, tem um entendimento diferente. “O mural está na parte externa do prédio, ele só está sendo vandalizado porque está na área pública. Tanto é que o segundo painel, que fica na parte de dentro, está bem conservado.” Davi é um dos ativistas pela requalificação do painel, que guarda memórias afetivas de moradores e trabalhadores da região do edifício.

“Tudo que minha família tem hoje foi conquistado neste prédio”, conta a subsíndica Elaine Massaro, que tem na edificação o lugar central de suas memórias de infância. O escritório de patentes O Massaro se mudou para o Triângulo no ano em que o prédio foi inaugurado, em 1955, e continua lá até hoje.

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Defensores do painel: Davi Pillon, Elaine Massaro e Everaldo Santos (Leo Martins/Veja SP)

O zelador Everaldo entrou ali pela primeira vez em 1997, quando foi fazer a entrevista de emprego para a cargo. Ficou encantado com o projeto de Niemeyer e com a obra de Di Cavalcanti. Ele já conhecia a dupla, mas seu conhecimento só iria se multiplicar nos anos seguintes. Além de um trabalho, ele ganhou uma paixão: começou a estudar a produção do arquiteto e a carreira do muralista, visitou obras de ambos em diversas cidades do Brasil e é, atualmente, uma enciclopédia viva da história do Edifício Triângulo. Desde os primeiros dias como zelador, vem recolhendo todo material que encontra sobre o prédio — matérias de jornais, trechos de livros e fotos, e os mantém cuidadosamente arquivados em uma pesada pasta de couro.

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(Leo Martins/Divulgação)
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“No começo, ficava com vergonha de falar sobre o estado do painel, porque eu era o zelador do prédio, me sentia responsável”, lembra. Ele cita o pior estrago feito à obra de arte, em outubro de 2017, durante uma edição do SP na Rua. “Quando vi, chorei muito. Essa imagem nunca sai da minha memória.”

Sempre otimista, Everaldo sonha com o dia em que o mural estará recuperado. “Eu costumava dizer que, se não eu, pelo menos meus netos pudessem ver esses painéis restaurados. Mas agora quero ver por mim mesmo.” Por ele e por todos os paulistanos.

Di Cavalcanti em São Paulo

Consagrado por suas telas, que integram acervos ao redor do mundo, foi nos muros e fachadas de São Paulo que Di Cavalcanti encontrou um público mais amplo. Suas empreitadas coloridas estampam paredes de diversos edifícios da capital paulista, que, nos anos 1950, vivia um período de expansão do mercado imobiliário, com a construção de novos empreendimentos. A arquitetura moderna, representada por Oscar Niemeyer — com quem o artista colaborou em diversos projetos, como o Edifício Montreal e a Galeria Califórnia, além do Triângulo, todos no centro —, via nos murais uma forma de reforçar o diálogo com as artes.

O centro também era bastante frequentado por Di Cavalcanti, que morou no Edifício Esther, na Praça da República. “Embora fosse carioca, foi em São Paulo que ele conseguiu seus primeiros trabalhos. A cidade sempre foi um lugar de trabalho para ele”, aponta Marcelo Bortoloti, autor da biografia Di Cavalcanti: Modernista Popular.

Inspirado nos muralistas mexicanos, como Diego Rivera (1886- 1957), o artista buscou trazer temas do cotidiano dos trabalhadores para suas produções. “Ele era muito ligado à figura humana, gostava de representar as relações sociais, sempre com um caráter político”, explica Bortoloti. O trabalho é um tema frequente, presente no mural do Triângulo e também no Hotel Nacional Inn Jaraguá (veja abaixo).

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Com estados de conservação muito diversos, halls de entrada, fachadas e pisos do centro exibem verdadeiras obras de arte — a maioria delas a céu aberto. “O muralismo é uma forma de tornar a arte mais acessível para o grande público. Era uma espécie de ação política, Di Cavalcanti falava do povo e para o povo”, completa o biógrafo.

Roteiro de obras do Di Cavalcanti no centro

mapa-di-cavalcanti1. Teatro Cultura Artística

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(Leo Martins/Veja SP)

Depois de superar as propostas de Jacob Ruchti e de Roberto Burle Marx, Di Cavalcanti ficou responsável por decorar a fachada do Teatro Cultura Artística. Com 48 metros de comprimento por 8 metros de altura, o mural, que retrata musas ligadas ao teatro, à dança e à música, é o maior já produzido por ele. Em 2008, o teatro sofreu um incêndio que o danificou, mas o painel seria restaurado, entre 2010 e 2011, pela Oficina dos Mosaicos, de Isabel Coelho e Gonçalo Ruas, trabalho que ganhou o Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade. Rua Nestor Pestana, 196, Consolação.

2. Hotel Nacional Inn Jaraguá

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(Leo Martins/Veja SP)
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O mural feito com pastilhas de vidro coloridas localizado na esquina das ruas Major Quedinho e Martins Fontes chama-se A Imprensa. Nele estão representados elementos do universo jornalístico, como máquinas de gráfica e leitores de jornal. O trabalho foi criado para ornamentar a fachada do jornal O Estado de S. Paulo, sediado ali entre 1951 e 1976. Rua Martins Fontes, 71, Consolação.

3. Edifício Triângulo

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(Leo Martins/Veja SP)

Construído em 1955, o prédio comercial no centro histórico é fruto de uma parceria com Oscar Niemeyer, que, com pouco mais de 40 anos, já havia trabalhado em obras importantes como a do Ministério da Educação e Saúde, no Rio de Janeiro. A obra faz uma homenagem aos trabalhadores do café e da construção civil. Rua José Bonifácio, 24.

Publicado em VEJA São Paulo de 4 de julho de 2025, edição nº2951.

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